Restos de construção civil apresentaram mais resistência que brita em testes de impacto realizados pela pesquisadora. Descoberta pode trazer alternativa para cobertura de estradas sem asfalto, que representam 80% da rede rodoviária brasileira.

Estudo inédito desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília mostra que restos de demolições poderiam ser utilizados para substituir a brita em estradas não pavimentadas, que representam 80% da rede rodoviária brasileira. Em testes conduzidos pela autora da pesquisa, Ivonne Alejandra Góngora, o entulho da construção civil apresentou maior resistência ao tráfego de veículos que a brita.


O orientador do estudo, professor Ennio Marques Palmeira, explica que a brita é apontada como o melhor material para cobertura de estradas sem asfalto. “A brita é um dos materiais mais utilizados hoje, mas é cara e sua exploração e produção causam danos ambientais. Já os restos de construção civil podem baratear o processo, além de dar uma solução para o lixo gerado pelo entulho”, afirma. Restos de obra representam 70,5% do lixo produzido no Distrito Federal. Das 8,5 mil toneladas geradas diariamente, 6 mil correspondem a entulho.


A pesquisadora simulou a passagem de caminhões para comparar a resistência do entulho e da brita. Na simulação, um caminhão passou por uma estrada diversas vezes sobre os materiais. Enquanto os entulhos de construção receberam 1.710 ciclos de carga, a estrada com a brita atingiu seu limite com 1.630. “O limite estabelecido como critério para o término da simulação era a superfície da estrada apresentar um afundamento de 25 milímetros”, explica Ivonne.


Em outro teste, a pesquisadora acrescentou ao entulho e à brita um material geossintético parecido com uma tela e conhecido pelos engenheiros como geogrelha. O material serve como reforço para aumentar a vida útil da estrada. Mais uma vez, os testes mostraram melhor desempenho com o entulho. Enquanto os restos da construção civil aguentaram 57.235 repetições de carga, a brita resistiu até 24.064. “É importante utilizar algum material para melhorar o tráfego nas estradas, até mesmo por conta das chuvas que destroem as passagens”, defende Ivonne.

 


CUSTO –
 Luciana Dellabianca, coordenadora de projetos de infra-estrutura do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), conta que para decidir o material utilizado nas estradas é preciso fazer uma análise econômica para avaliar o custo da obra. “O material precisa contemplar as normas técnicas do DNIT. Como a brita é um material caro, optamos pela utilização do cascalho”, afirma.


Olímpio Luiz de Moraes, coordenador de planejamento de infra-estrutura do DNIT, afirma que as estradas não pavimentadas recebem manutenção pelo menos uma vez por ano. Em geral, um trator faz a patrolagem para nivelar o solo e outro deixa o solo compacto. Por último, joga-se uma camada de cascalho. “Às vezes fica difícil contabilizar a malha por conta dos caminhos que os próprios agricultores ou produtores da região abrem”, conta.


O coordenador estima que uma estrada com asfalto custe o dobro de uma não pavimentada. Daí porque o percentual de estradas não pavimentadas no país é tão alto. Entretanto, as estradas não pavimentadas tem um papel importante na movimentação da economia do país, pois abastecem áreas urbanas com produtos e serviços. “Com um reforço e uma base para aumentar a vida útil e a resistência, caminhos muitas vezes abertos de maneira inadequada para escoar produção poderiam durar mais”, afirma o orientador da pesquisa.


Ennio Palmeira, no entanto, acredita que a Lei 8.666, que trata de normas para licitações e contratos, dificulta o uso de materiais inovadores em estradas não pavimentadas. “É tanta burocracia para utilizar um material inovador”, afirma. Ele argumenta ainda que, ao prever a contratação de obras de acordo com o menor preço ofertado, a lei nem sempre garante a qualidade do serviço prestado. “Existem estradas pavimentadas que foram construídas para receber manutenção daqui oito anos e não duram nem três”, comenta Ivonne.


Atualmente, os esforços do DNIT estão concentrados na recuperação das rodovias pavimentadas. “Temos um projeto de uma estrada, por exemplo, que há 25 anos não recebia manutenção. Estamos praticamente reconstruindo estradas pavimentadas”, afirma Luciana. O DNIT aprovou, no ano passado, um projeto para recuperar 10 mil quilômetros de estradas, um investimento de cerca de R$ 600 mil por quilômetro.


LIXÃO –
 Além de serem mais baratos, os restos de construção poderiam desafogar os aterros sanitários brasileiros. No Distrito Federal, esses resíduos representam 70% da ocupação do lixão. “Daríamos outro destino ao material que fica acumulado no aterro”, defende Ennio Palmeira.


Paulo Celso Gomes, assessor técnico da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Governo do Distrito Federal e professor da Faculdade de Tecnologia da UnB, comemorou os resultados da pesquisa. “Das 6 mil toneladas de restos de construção e demolição produzidas por dia, cerca de 80% realmente pode ser aproveitada”, afirma. “O governo precisa com urgência resolver esse problema de destinação, já que fica com a iniciativa privada a responsabilidade de levar o material até o local adequado”, defende. “Em São Paulo já utilizam esses restos para construção de estradas e para instalações de esgoto”, completa.