Pesquisadora da Engenharia Civil mostra como transformar lodo de tratamento de água, cinzas e cascas de arroz em tijolos e revestimentos.

Um tijolo mais sustentável. Se depender de Elisandra Medeiros, é com isso que sua casa será construída no futuro. Em tese defendida pelo Programa de Pós-Graduação da Engenharia Civil da Universidade de Brasília, Elisandra estudou a possibilidade de usar restos de tratamento de água, preparo do arroz e da própria indústria de cerâmica na composição de argila que, depois de aquecida à alta temperatura, gera a base estrutural e de acabamento da maioria das construções.


“Estava em busca de materiais recicláveis que poderiam ser misturados à argila sem diminuir a qualidade do produto final”, diz Elisandra, formada em Engenharia Civil. No fim das contas, ela escolheu três tipos de resíduos que não recebem muita atenção, mas que são produzidos em enorme quantidade.


Cinza da casca de arroz, lodo de estação de tratamento de águas e cinza da lenha usada nos fornos da cerâmica foram os escolhidos. Elisandra desenvolveu vinte composições diferentes de cerâmica que integravam um ou mais resíduos à argila. Para descobrir se os compostos atenderiam às exigências de baixa absorção de água e resistência exigidos dos tijolos e revestimentos, ela foi ao laboratório de cerâmica da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).


“Passei um mês lá, saia do hotel de manhã e voltava só a noite, era o dia inteiro no laboratório”, conta Elisandra. Como resultado, ela diminuiu sua lista de sugestões de cerâmica que agrega resíduos reaproveitados para três. Em um deles, para 95% de argila, são usados 5% de lodo de estação de tratamento de águas. Em outro, cada 83,3% de argila recebe o complemento de 8,33% de cinzas de lenhas e 8,33% de cinzas de casca de arroz. No terceiro, é usado um quarto de cinzas de lenhas para três quartos de argila.


Para blocos de cerâmica, os tijolos, todas as composições se mostraram eficientes. Já para revestimentos de cerâmicas, placas usadas no piso, os compostos que utilizaram cinzas de lenha não foram aprovados. Elisandra ressalta, no entanto, que é possível que outras misturas sejam criadas com os diferentes tipos de resíduos.

RECICLAGEM - Por ano, o Brasil produz cerca de treze milhões de toneladas de arroz. A casca dos grãos, no entanto, termina queimada. O resultado é que para cada uma das toneladas de arroz que vai para o mercado, sobram quarenta quilos de cinza de casca de arroz. “Apesar de algumas indústrias reaproveitarem isso, a maioria desse material termina no lixo”, afirma Elisandra.


Se tem material que vem da comida, tem que ter um liquido junto para descer. Antes que chegue limpa à torneira, a água passa por processos químicos e físicos de filtragem, que resultam em um lodo espesso que pode contaminar nascentes de rios e lençóis freáticos. Elisandra conta que só na estação de tratamento de água da Caesb, onde conseguiu o lodo, eram retiradas dez caçambas de lixo do resíduo por dia.


Já as cinzas de lenha são encontradas aos montes nas próprias indústrias de cerâmica. A lenha é o principal material utilizado nos fornos de fábricas deste tipo em Goiás e no Distrito Federal, por exemplo. Um estudo feito 2006 mostra que são gerados 300 toneladas de cinzas de lenha só no município de Campos de Goycatazes, no Rio de Janeiro. 

De uma forma ou de outra, todos esses resíduos trazem danos ao meio ambiente, seja poluindo, seja enchendo ainda mais depósitos de lixo nos arredores das cidades. Preocupada com o avanço de todo esse lixo, a professora da Faculdade de Tecnologia Rosa Sposto trabalha desde 2006 com pesquisas que procuram reaproveitar diversos tipos de resíduos na construção civil.


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Dentro da linha de pesquisa de Gestão, Tecnologia, Qualidade e Sustentabilidade na Produção de Edificações, Rosa orienta alunos da pós-graduação a desenvolver novas formas de aliar a reciclagem à engenharia. “A UnB está na vanguarda nesse campo”, afirma a professora. Para ela, é preciso investir mais no tema e conseguir apoio do governo para concretizar as inovações.


A proposta de Elizandra, por exemplo, apesar de poder baratear a produção da cerâmica, ainda não foi adotada por nenhuma indústria da área. “Elas precisariam fazer um investimento, mudar a forma de produção. No médio prazo poderiam economizar, mas primeiro precisariam se reorganizar”, explica a autora da tese.


“Se o governo subsidiasse esse processo, ou mesmo fizesse exigências para que no meio da composição da cerâmica tivesse material reciclado, seria mais fácil”, afirma a professora Rosa. Para Elisandra, a inclusão de material reciclado e uma maior preocupação com reciclagem dentro da construção civil é quase uma obrigação. “É uma atividade onde naturalmente se suja e desperdiça muito. Não custa nada tomarmos algumas atitudes para melhorar isso.”