Para o cidadão comum interessado em investir no mercado de ações, a falta de experiência pode ser uma barreira significativa frente à complexidade do ramo. A dificuldade foi sentida na pele pelo engenheiro computacional Iure Brandão, quando aos 22 anos, iniciou suas aplicações na bolsa de valores. O que poderia ser um obstáculo, Iure enxergou como oportunidade: ele desenvolveu a Smart Trading, uma ferramenta de inteligência artificial (IA) para auxiliar o investidor na tomada de decisão.
“Fiz cursos e estudei bastante antes de iniciar meus investimentos na bolsa. Mas esse mercado é muito complexo. Frequentemente é preciso reagir rápido. Percebi que havia um gargalo de soluções que auxiliem o investidor na tomada de decisão, em especial o investidor iniciante”, conta Brandão, que transformou o interesse pessoal no tema de sua pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Sistemas Mecatrônicos (PPMEC) do Departamento de Engenharia Mecânica da UnB.
Gratuita e on-line, a Smart Trading já está disponível para uso do público. Durante a pesquisa, a plataforma foi testada com uso nas bolsas de valores dos Estados Unidos, da Tailândia e do Brasil, apresentando taxa de acerto de 88%.
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“A ferramenta acerta 88% das vezes nas estratégias indicadas ao investidor. O percentual do retorno sobre o investimento ficou em 69,4%, isso seria o percentual de lucro que a pessoa tem. É uma performance bem superior a que encontramos na literatura, de 57%”, afirma o pesquisador.
Segundo o docente do Departamento de Engenharia Elétrica da UnB João Paulo Lustosa, orientador da pesquisa, o resultado é muito promissor. “90% dos investidores no mundo perdem dinheiro na bolsa de valores. Então essa taxa de acerto é muito positiva. Claro que se a pessoa investir muito no momento dos 12% de erro, ela sai perdendo, mas, na média, as chances do investidor ganhar são muito maiores”, acrescenta.
A pesquisa já tem rendido premiações. Os achados preliminares foram reunidos em artigo apresentado no 5th Workshop on Communication Networks and Power Systems (WCNPS 2020). A publicação foi premiada como a melhor da categoria Communication Networks. O estudo completo será apresentado na defesa de mestrado, prevista para fevereiro deste ano.
COMO USAR – Ao acessar a ferramenta, no topo da página está o ícone de uma lupa, para selecionar a ação a ser analisada. Estão disponíveis todas as ações da bolsa norte-americana e algumas ações brasileiras.
Ao selecionar o primeiro ícone da lateral esquerda (Setups Recognition), na tela central é exibida a situação atual da ação, no formato do gráfico de velas – que é o mais comum na bolsa de valores, sendo utilizado por analistas financeiros e de investimento.
Do lado direito, o ícone Setup permite escolher entre diferentes estratégias de investimento disponíveis no mercado, modificando a forma como os dados são apresentados no gráfico. Abaixo, o campo Setup Description traz uma explicação textual sobre a estratégia escolhida, auxiliando o usuário a compreender o gráfico.
As sinalizações em laranja indicam o início de um movimento de baixa; já as sinalizações em azul indicam um momento de alta. Acima do gráfico constam letras e/ou números que são o código da ação na bolsa, seu preço atual e a indicação se está em alta ou em baixa naquele dia.
Até esse ponto, os gráficos exibidos são opções já encontradas no mercado. O grande diferencial do software é visto ao selecionar o segundo ícone da lateral esquerda, o Agent Decision Make. A parte central da tela passa a exibir um gráfico com os conselhos da ferramenta. Neste momento, a inteligência artificial está em ação.
Sinalizações em laranja indicam um momento favorável para vender a ação, enquanto aquelas em azul, um momento de compra. O campo Agent Results, à direita, exibe o percentual de retorno em cima da ação para determinado período, seguido pelos retornos em relação ao índice americano e em relação à rentabilidade da ação analisada.
No momento, a ferramenta está apenas na versão em inglês, com previsão de, em breve, oferecer a opção em português. Também será disponibilizado um tutorial guiado explicando seu uso.
CIÊNCIA APLICADA – A ferramenta utiliza duas técnicas de inteligência artificial (IA): o aprendizado profundo, que permite ao algoritmo manter informações de um passado distante, criando um histórico que pode influenciar numa decisão do presente; e o aprendizado por reforço, que possibilita ao algoritmo ir se adaptando, em tempo real, a novos acontecimentos, para melhorar seu desempenho e não deixar a performance cair.
“Não encontrei na literatura científica soluções que englobem essas duas técnicas, mas apenas plataformas com uso de aprendizado profundo. São ferramentas de predição – preveem o preço de uma ação em determinado período ou indicam quando o preço vai cair”, detalha Brandão, em referência a soluções de código aberto. Empresas privadas do ramo utilizam ferramentas similares, mas de códigos fechados e, portanto, não disponíveis para estudos comparativos.
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Incluir na solução o uso de aprendizado por reforço foi importante, já que o mercado de ações sofre mudanças abruptas relacionadas a fatores diversos, como um escândalo de corrupção, uma decisão política, a atual crise sanitária do novo coronavírus. “Se houver variação brusca no padrão dos dados, o algoritmo consegue aprender, em tempo real, com os próprios erros que cometer, adaptando-se rapidamente”, reforça o pesquisador.
Ambas as técnicas de inteligência artificial são muito utilizadas atualmente. “O aprendizado por reforço está bem consolidado na área de jogos. Quando se coloca no nível máximo de IA, quase não se consegue jogar contra a máquina porque o algoritmo vai se aperfeiçoando e fica muito difícil vencê-la”, exemplifica o engenheiro. “O aprendizado profundo está cada vez mais no nosso cotidiano, como na detecção de pessoas ou no reconhecimento de padrões cancerígenos por imagem, no uso de veículos autônomos para predição de frenagem”, menciona.
Como em toda tecnologia de IA, o engenheiro ressalta que “o algoritmo não é perfeito, podendo errar”. Por isso, “a tomada de decisão é feita pelo usuário, mas tendo um recurso de apoio nesse processo. Além disso, a taxa de 88% de acerto é bastante satisfatória”.
Ele acrescenta que, ao aplicar a ciência de dados nesse mercado, obtém-se uma performance que o ser humano sozinho não consegue ter. “O ser humano aplica sua inteligência para desenvolver e validar o algoritmo. Soma-se a isso o processamento de um computador, que é muito mais rápido que o nosso. Utilizando a ferramenta, constatei que ela identificou padrões de mercado que eu demoraria muito ou nunca chegaria a perceber.”
Outro diferencial da solução é permitir ao investidor obter uma curva de aprendizado. “Nas ferramentas de predição, o investidor nunca vai aprender, porque apenas recebe aquele dado. Nossa plataforma explica o porquê de indicar determinada atitude, como a compra de uma ação, mostrando os fatores que influenciam no panorama”, observa Brandão.
Os pesquisadores procuram parcerias para investir na solução. “Há espaço para melhorá-la. O algoritmo adapta-se aos dados, mas existem parâmetros que podem ser continuamente aperfeiçoados, possibilidades de combinar diferentes algoritmos e de fazer melhorias na parte matemática. É um campo aberto para muitas pesquisas, inclusive de novos alunos na pós-graduação”, completa o professor Lustosa.
BASTIDORES ACADÊMICOS – Quando Brandão manifestou interesse em desenvolver a temática no mestrado, o docente João Paulo Lustosa teve receio de que a pesquisa não obtivesse resultados satisfatórios em relação ao que é exigido cientificamente – como achados inéditos que justifiquem uma publicação.
“É um tema complexo e com grandes chances de não obter um resultado inovador ou satisfatório. Fizemos uma decisão arriscada. Graças à dedicação do Iure, felizmente colhemos bons frutos. Mas nem sempre na ciência é assim. Às vezes o resultado não é satisfatório e é preciso recomeçar uma pesquisa do zero”, confidencia Lustosa.
O docente, que está em licença não remunerada da UnB, acompanhou a pesquisa da Alemanha, onde atualmente integra o corpo docente da Hochschule Hamm-Lippstadt (HSHL), universidade de ciências aplicadas. Ele convida o público a usar a ferramenta: “Servir à sociedade com a pesquisa é nosso propósito enquanto engenheiros. Quanto mais pessoas usarem e compartilharem a ferramenta, maior o alcance da pesquisa”. Interessados em parcerias podem contatar o pesquisador Iure Brandão pelo e-mail iurebrandãEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..