O Brasil é o maior produtor de petróleo da América Latina e o nono no mundo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás. Mais de 2 bilhões de barris são processados por dia no país e o investimento no refino pela Petrobrás já atinge mais de R$ 3,7 bilhões. Para chegar a essa marca, as refinarias de petróleo contam com sistemas complexos para produção de derivados da substância. Uma planta de refino, por exemplo, dispõe de centenas de válvulas – ou os chamados atuadores –, compressores, bombas hidráulicas com variadores de velocidade, sensores, malhas de controle e outros componentes necessários ao andamento do processo produtivo de forma automatizada.
Esses mecanismos de controle estão, no entanto, sujeitos a falha pelo desgaste no uso contínuo. Para reduzir essas situações, pesquisadores da Faculdade de Tecnologia (FT) da UnB desenvolveram, em parceria com a Petrobrás, uma nova tecnologia que já tem sido aplicada na indústria petrolífera: são os Filtros Adaptativos de Base Estatística (FABE).
A solução envolve algoritmos capazes de filtrar, com maior eficácia que os softwares já adotados na indústria, os chamados ruídos de medição, ou erros de medida inerentes aos sensores presentes nas malhas de controle da planta, e proporcionar maior estabilidade nos processos industriais. Os sensores aferem, constantemente, grandezas como pressão, temperatura e vazão no monitoramento de processos químicos das refinarias.
Professor do Departamento de Engenharia Mecânica da FT e coordenador do projeto, Eugênio Fortaleza explica que a filtragem evita que os atuadores sejam acionados toda vez que os sensores apresentem ruídos que não sejam significativos e acabem por demandar o reequilíbrio nos parâmetros medidos para atualizar as ações de controle durante o refino.
No caso das refinarias, os atuadores são comumente representados por válvulas que funcionam para a abertura ou bloqueio do fluxo dos fluidos ou gases oriundos do refino do petróleo. Estas substâncias irão percorrer vários recipientes e equipamentos ao longo das etapas de produção dos derivados – entre eles, a nafta, que é matéria-prima para a indústria petroquímica, o querosene, o gás de petróleo, o asfalto e o óleo diesel.
“Fizemos comparações numéricas em que foi constatado que nossa metodologia era superior na redução de desgaste [dos atuadores] sem comprometer a performance do sistema. Na refinaria, por questão de segurança, foi mudado o mínimo possível, apenas colocando nosso filtro. Nas plantas que já tinham filtro que não conseguiam resolver o problema [de filtragem do ruído], o filtro antigo ficou e foi adicionado o novo. Nas que não tinham, ficou só o criado por nós”, detalha.
“Essencialmente, quando há um desvio em relação à variável que você deseja manter num certo patamar [no sistema de controle], o filtro avalia se esse desvio é devido a um ruído – uma variabilidade estatística do processo – e, portanto, deve ser desprezado e o atuador não deve ser sobrecarregado por isso, ou se é um desvio significativo, em que há necessidade de o atuador fazer a correção. E com isso, o atuador é poupado nesses casos em que ele não precisaria estar atuando”, explica o docente do Departamento de Engenharia Elétrica, Eduardo Stockler Tognetti, colaborador na pesquisa.
Elaborada com base em ciência de dados – uma abordagem multidisciplinar para análise de grande quantitativo de dados e transformação em soluções aplicadas –, a tecnologia foi testada em quatro malhas de controle da Unidade de Destilação da Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) da Petrobrás, no Rio Grande do Sul, e, depois, implementada em 2 a 3% das mil em funcionamento no local. Mais de 200 mil barris de petróleo são produzidos por dia na refinaria.
GANHO EM EFICIÊNCIA – Os primeiros resultados obtidos com o uso do filtro indicaram uma redução potencial de até 70% no uso dos atuadores, e, em alguns casos, de 90%. “Além de reduzir essa questão dos desgastes dos atuadores, como as válvulas se mexiam menos, a refinaria passou a funcionar melhor. Eles tiveram ganho de eficiência e foi gerada uma nota interna na Petrobrás recomendando o uso para todos os casos de controle com ruído”, aponta Eugênio Fortaleza sobre os resultados alcançados.
Eduardo Stockler acrescenta que, ao atenuar os efeitos sobre esses componentes, a tecnologia também evita situações ainda mais graves na produção pelas petrolíferas. “Na indústria, um problema de manutenção no atuador, como uma válvula, pode acarretar na parada de produção para fazer manutenção. E isso tem grandes perdas na eficiência produtiva”, explica o docente.
CIÊNCIA COM APLICABILIDADE – Em idealização desde 2019 no âmbito do projeto Desenvolvimento e Implementação de Controle Regulatório com Filtro Adaptativo para Plantas da Indústria do Petróleo, o filtro foi testado previamente por meio de simulações numéricas e validado numa planta experimental disponível no Laboratório de Controle de Processos da Faculdade de Tecnologia da UnB.
O Laboratório de Automação Offshore também foi utilizado na elaboração da solução. Os testes na refinaria para aplicação em larga escala ocorreram em 2021 e 2022, sendo a eficiência também atestada por técnicos da Petrobrás.
“A gente saiu da ideia até a aplicação em larga escala em dois anos, então foi um projeto muito rápido e que obteve sucesso”, comemora Eugênio Fortaleza, frisando a agilidade com que o método desenvolvido alcançou o topo da escala de maturidade tecnológica.
A demanda foi percebida anos antes, em 2013, quando o professor participou de um congresso interno da Petrobrás em que estavam em debate soluções para reduzir os impactos do desgaste de atuadores nas plantas das refinarias.
“Comentei a questão de que a solução para vários problemas de controle para poder aplicar em larga escala talvez passasse por um filtro, não por um controle em si. O pessoal da Petrobrás com que eu conversei estava apresentando técnicas para desenvolver controles para mitigar essa questão de uso excessivo de atuadores, então eles se interessaram”, conta Fortaleza, lembrando que a parceria só pôde ser consolidada tempos depois.
O docente compartilha como chegou a essa conclusão: “A ideia veio de que entender o comportamento de uma plataforma de petróleo e de uma coluna de destilação e de separação de nafta é bem complexo, mas cada sensor já vem de fábrica com um nível de precisão especificado. Então, se a gente conseguisse só com essa informação melhorar, seria fácil aplicar em massa em todos os casos, porque todos os sensores já vêm com esse nível de ruído inerente a ele especificado”, comenta.
Engenheiro com atuação em processos e automação industrial na Gerência de Otimização da Refap, Luís Gustavo Longhi colaborou nos testes, realizados em malhas de controle de temperatura e vazão, e na implementação da tecnologia na Refap, após ser acionado pelo Centro de Pesquisa da Petrobrás. Ele relata que, apesar de ser difícil estimar o ganho em termos de rentabilidade, o resultado foi positivo para aumento da vida útil dos atuadores. O engenheiro explica que a inserção do filtro foi feita diretamente num sistema computadorizado – o chamado Sistema Digital de Controle Distribuído –, sem interfaces.
“A gente conseguiu um controle com a mesma qualidade de controle e rentabilidade, só que mexendo menos no atuador – não mexeu tanto na válvula de controle. Muitas vezes tem movimentações gratuitas por causa de ruídos e o trabalho que os pesquisadores fizeram consegue ver os sinais que são realmente ruídos relevantes e que realmente variaram o processo”, atesta.
Segundo Luís Gustavo, a ideia é deixar o filtro operando por mais tempo para uma avaliação da eficiência a longo prazo e para que haja dados consistentes a serem apresentados ao Centro de Pesquisa e à Sede da Petrobrás. Essas instâncias são responsáveis por avaliar a possibilidade de ampliar a aplicação do filtro para outras unidades na Refap e para outras refinarias.
Ele celebra a aproximação entre Petrobrás e UnB no desenvolvimento de tecnologia para atender demanda do setor e espera que novas parcerias sejam consolidadas. “É um método viável, aplicável e atende exatamente o que foi proposto. Nosso desafio agora é retomar os projetos com a Universidade para poder desenvolver coisas novas e implantar, atendendo os dois lados: a universidade quer problemas reais e a gente quer resolver os nossos problemas entendendo o que a gente está fazendo.”
CONTRIBUIÇÃO DISCENTE – O projeto também é parte da pesquisa de mestrado defendida em 2022 por Lucas Moura Gomes, no Programa de Pós-Graduação em Sistemas Mecatrônicos. “Eu já estava desenvolvendo alguns experimentos relacionados durante o final da minha graduação, e eu entrei no mestrado fazendo justamente esse trabalho de implementação da técnica de filtragem. Depois dos resultados positivos, a gente apresentou para o pessoal da Petrobrás e auxiliamos eles a desenvolver na própria plataforma de supervisão deles para implementação na planta”, relata o hoje estudante de doutorado no mesmo programa.
“Do ponto de vista de estudante, ver uma aplicação prática daquilo que eu estava fazendo na pesquisa foi o fator que motivou bastante a seguir essa linha de pesquisa. Foi bem gratificante, de maneira geral, ver todo projeto acontecer e ter um resultado prático na indústria”, celebra Lucas, sobre o sucesso da transferência da tecnologia produzida na Universidade ao setor.
Doutorando em Sistemas Mecatrônicos no início do projeto, o hoje pesquisador colaborador pleno na UnB José Oniram Limaverde alega que a barreira para propor um filtro na área de controle era menor do que a de propor um novo sistema de controle para ser substituído nas plataformas petrolíferas.
“A praticidade do filtro que foi desenvolvido aqui [na UnB] permitiu também o convencimento por parte da empresa [Petrobrás] de inseri-lo, de fazer os testes, o que é muito mais prático para o operador depois ajustar do que ajustar um novo sistema de controle para substituir o que já está na malha de controle da refinaria, por exemplo.”
DESDOBRAMENTOS – Além do filtro e da nota interna com recomendação de uso pela Petrobrás, o projeto gerou a publicação de três artigos científicos em revistas internacionais nas áreas das Engenharias: a International Journal of Control e a ISA Transactions. Os resultados também estão sendo compartilhados em conferências internacionais, como o International Congress of Mechanical Engineering, que acontece em dezembro, em Florianópolis (SC).
Confira as publicações:
>> Adaptive Kalman Filtering for Closed loop Systems based on the Observation Vector Covariance
>> A Derivative-free Nonlinear Kalman filtering Approach using Flat Inputs
>> Model-free adaptive filter to mitigate actuator wear
Agora, a expectativa dos pesquisadores é avançar no desenvolvimento teórico de outras aplicações mais complexas na área, além da avaliação de outros desafios presentes na indústria petrolífera que possam mobilizar a criação de novas tecnologias aplicadas.
O projeto teve financiamento por cláusula de Ciência e Tecnologia (C&T) da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e por bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).