Na segunda matéria da série biocombustíveis vamos saber como os pesquisadores da universidade trabalham para derrubar os obstáculos à produtividade da indústria de biodiesel.

No protótipo construído pelos cientistas da UnB em um galpão no Instituto de Química dois tanques, um de álcool e outro de óleo de soja, estão posicionados paralelamente sobre um recipiente. Nele duas substâncias são misturadas e reagem para formar o biodiesel. A ideia por trás do sistema é que enquanto os dois tanques são alimentados, a produção continua indefinidamente. A produção contínua, como a técnica é chamada, é uma aposta dos pesquisadores para resolver alguns dos problemas inerentes ao sistema convencional aplicado na indústria e aumentar a produtividade.


O pulo do gato do novo sistema está em uma substância sólida usada como catalisador - cujo o nome não pode ser revelado para proteger os direitos de patente da pesquisa. Um catalisador participa do processo sem reagir com as demais substâncias e serve para aumentar a velocidade de uma reação química. A intenção dos pesquisadores é que a substância substitua o hidróxido de potássio (KOH), que desempenha a mesma função nos processos aplicados na indústria atualmente.


O problema do KOH é que ele é entra na reação em estado liquido, o que impede que ele seja reaproveitado depois que o combustível é produzido. A substância testada pelos cientistas, ao contrário, pode ser usada várias vezes antes de ser jogada fora. “Ela permanece em estado sólido durante a reação e demora bem mais para se desgastar”, explica Fábio Moreira, estudante de pós-doutorado e autor da pesquisa. Nos testes realizados pelos cientistas com o protótipo foi possível manter o sistema funcionando por 140 horas antes que o material precisasse ser substituído.


REPETIÇÃO -
 O procedimento padrão da indústria tem outra desvantagem: ele precisa ser reiniciado várias vezes para que se obtenha um biodiesel com a concentração esperada. Na primeira vez que a reação acontece uma parcela considerável do óleo não se converte em combustível. Por isso, a matéria-prima precisa retornar ao reator para novamente reagir com o álcool e formar o biodiesel. Antes que isso aconteça o catalizador é descartado junto a glicerina - um subproduto da reação que não é aproveitado na indústria.


Cada ciclo desses é chamado de batelada e precisa ser repetido no mínimo três vezes para que se obtenha o máximo de combustível possível. “Na primeira batelada, 92% do óleo reage para virar biodiesel, o valor ideal para indústria é 98%”, explica Fábio. No protótipo da pesquisa o valor alcançado ainda é bem menor que o padrão da indústria. “Chegamos a apenas a 80%”. Segundo Fábio, o sistema ainda está em fase de desenvolvimento. “Ainda precisamos  otimizar o processo para obter resultados melhores e tornar a aplicação do sistema viável”, afirma. O pesquisador estima que a etapa de aperfeiçoamento do sistema deve consumir mais um ano de estudos.


Para ele, contudo, comprovar a possibilidade de reaproveitar o catalisador no processo já foi uma grande vitória. “Com essa possibilidade o processo de fabricação fica bem mais simples, já que não temos que passar pelas várias bateladas”, comemora. Outra vantagem apontada por Fábio é o uso de etanol em vez de metanol para reagir com o óleo.


“O etanol não é usualmente aplicado na indústria porque reage mais lentamente e é mais difícil de separar das outras substâncias”, explica Paulo Anselmo Ziani Suarez, orientador da pesquisa. “O metanol, por outro lado, é aplicado na maioria das empresas produtoras, mas é mais tóxico e perigoso”, complementa Fábio. Paulo Anselmo destaca ainda que o protótipo permite o uso do óleo cru como matéria prima, em vez do óleo refinado como acontece atualmente na indústria. "Isso pouparia a necessidade de refinar a matéria prima e agilizaria o processo".


Paulo Anselmo destaca que o estudo de Fábio é essencial no contexto atual do país. “O Congresso Nacional já discute um marco regulatório que prevê que o percentual de biodiesel acrescentado ao diesel comercializado aumente para 20% nos próximos anos”, explica. Desde 2005, com a promulgação da lei número 11.097, o governo obriga que esse valor seja de no mínimo 5%.“A capacidade instalada na indústria tem o potencial para atender até o dobro do exigido atualmente”, conta Paulo Anselmo. “Mas para alcançar a meta dos 20% precisaremos investir em novas tecnologias para aumentar a produtividade”.


Leia aqui a matéria de abertura da série sobre biocombustíveis