Pesquisador passou quatro meses na quadra da Beija-Flor de Nilópolis, no Rio de Janeiro, para observar como é feita a preparação para o carnaval.

Foram as mãos machucadas de um ritmista de uma escola de samba que motivou a tese de doutorado do administrador de empresas Sérgio Barroca. Ele assistia o desfile no Sambódromo do Rio de Janeiro e queria entender como alguém, mesmo ferido, não abandonava a avenida. “Quando foi entrevistado pelo repórter da TV, o ritmista respondeu que o samba era a sua vida”, conta Sérgio. “Fiquei intrigado. O que faz aquele trabalhador dar, literalmente, o sangue pela escola? Que motivação é capaz de resultar em tanto empenho?”.


A tese Carnaval: Trabalho ou Diversão? mostrou que a razão para tamanho comprometimento não advinha das condições de trabalho, mas do prazer em desempenhar a atividade. “O grau de envolvimento tem a ver com a importância do trabalho, com a visibilidade, com a certa projeção do ponto de vista do ego dos trabalhadores. O resultado do trabalho, o desfile, é a grande compensação”, explica Mário César Ferreira, orientador do estudo.


Nas entrevistas realizadas para a pesquisa, os trabalhadores das escolas mostraram que acreditam ter alcançado o sucesso ao conseguir um emprego que oferece o sentimento de identificação, satisfação, reconhecimento e significado do trabalho. “Esses elementos formam o conceito de bem-estar no trabalho”, justifica Sérgio.

José Leite, pesquisador do grupo de Estudos em Ergonomia Aplicada ao Setor Público da UnB, alerta para a opressão que os trabalhadores das escolas sofrem de maneira inconsciente. “Trabalham como máquinas. A gestão das escolas é terrorista. Os trabalhadores não avaliam que a forma é oprimente”, explica. Para ele, a atividade repetitiva é a principal causa do abuso. Ele compara os integrantes das escolas aos bailarinos do Cirque du Soleil. “O espetáculo é maravilhoso, mas a forma como é feito não”, justifica.


GESTÃO -
 Em geral, a gestão das escolas de samba do Rio de Janeiro é obscura. Embora elas façam parte do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) - condição que as qualifica como empresa - a maioria dos seus trabalhadores não têm carteira assinada. “O ambiente de trabalho é precário. O lugar é quente, sem iluminação e pouco ventilado”, conta Sérgio, que passou quatro meses acompanhando o dia a dia da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, no Rio de Janeiro.

Além disso, banqueiros do jogo do bicho, chamados de bicheiros, são muitas vezes presidentes de escolas. É ele que investe pesado na estrutura do desfile. Os bicheiros estão articulados com a prefeitura do Rio de Janeiro, que cedeu o espaço para os barracões, a Cidade do Samba, e a Passarela do Samba, o Sambódromo. Esses dois espaços públicos são administrados pela Liga Independente das Escolas de Samba, composta pelos presidentes das agremiações. “É algo um tanto velado. Mas o que ocorre no Rio de Janeiro é que o governo precisa do carnaval. A festa movimenta a economia da cidade”, explica Sérgio.


José Leite lembra que a relação entre o governo e os bicheiros é antiga, data da década de 70. E se alimenta por conta do poder dos bicheiros nas comunidades em que vivem. “Eles são os benfeitores nas suas comunidades. Eles conseguem eleger bancadas poderosas de deputados e vereadores”, explica. “Ao poder público interessa o poder político desses ‘líderes’”.


AMOR PELO CARNAVAL -
 O que assemelha o carnaval de Brasília com o do Rio é justamente o envolvimento dos integrantes da escola. “O mesmo sentimento que move o ritmista lá do Rio de Janeiro mora em mim também. A Aruc, o carnaval e a bateria são a minha vida. É puro amor”, define José Aldano, o Brannca, mestre de bateria da Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc). Seu primeiro desfile com a bateria da Aruc foi aos 7 anos. Aos 44, ele conta que ainda arrepia, ainda vibra e se emociona. “São 37 anos de desfile. Cada vez que piso na avenida é um sentimento diferente. Nunca é igual. Não tem explicação”, resume.

O que desanima o mestre, que não vive exclusivamente da música, é não poder planejar o desfile com antecedência. Enquanto os trabalhadores das escolas do Rio passam o ano inteiro preparando o próximo carnaval, Brannca bate ponto todos os dias como programador de computadores. “Não vejo como as escolas ficarem independentes aqui em Brasília. Lá no Rio elas são bancadas pelo traficante ou pelo bicheiro”, argumenta.


Em Brasília, as escolas dependem do recurso liberado pelo Governo do Distrito Federal. Em 2012, a verba para cada escola foi de R$ 380 mil. Uma parcela do dinheiro saiu no final de janeiro. Outra, dia 10 de fevereiro. O restante será entregue depois do carnaval. As agremiações tiveram pouco menos de 30 dias para preparar o desfile. Ao todo, seis escolas de samba fazem parte do Grupo Especial e receberam a ajuda financeira do governo.


OUTROS RESULTADOS –
 Sérgio percebeu que o carnaval para os trabalhadores das escolas tanto é trabalho quanto diversão. É trabalho porque dali eles sobrevivem, e diversão pela extrema afinidade com a atividade desempenhada. Percebeu também que a gestão é participativa. Nas observações que fez no barracão da Beija-Flor, percebeu que os funcionários opinam e são ouvidos. O trabalho coletivo é incentivado. “Isso diverge das organizações tradicionais que dizem incentivar a equipe, mas cobram metas individuais”, explica o pesquisador.