Leis que orientam gestores contêm visões conflitantes. Alunos, muitas vezes, são tratados como clientela.

O que é preconizado pelas políticas públicas educacionais quase nunca corresponde à educação oferecida aos alunos do Ensino Médio. E esse descompasso começa ainda na formulação das leis que orientam a educação brasileira. Esta foi a principal conclusão do estudo realizado por Ericka Fernandes Vieira Barbosa, mestre em Educação pela Universidade de Brasília.


A pesquisadora avaliou as duas principais normas vigentes em nível nacional – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) – em dissertação intitulada Políticas Públicas para o Ensino Médio e Juventude Brasileira. A metodologia usada foi a de análise do discurso crítico, na qual o pesquisador procura identificar a carga ideológica das idéias expressas.

“O discurso analisado apontou para a existência de elementos ideológicos conflitantes. Em vários trechos de ambas as orientações normativas foi possível observar uma tendência a discursos contrários”, diz. Ericka percebeu que apesar de o MEC prever a “educação a partir do sujeito”, também apresenta um discurso submisso a exigências externas como, por exemplo, o vestibular e o mercado de trabalho. “Pude verificar que as normas, embora defendam a formação para a cidadania, para a autonomia do sujeito, ao mesmo tempo permitem que o aluno fique submetido a exigências outras, como as econômicas”, afirma.

Os conflitos identificados pela pesquisadora fizeram com que ela tentasse identificar o jovem a quem as políticas públicas são dirigidas. “Se as normas defendem a educação pautada no sujeito, é preciso, antes, saber quem é esse sujeito, quem é esse jovem. Tentei descobrir de que juventude a LDB e as DCNEM estão falando, e percebi que os estudantes do Ensino Médio foram referenciados principalmente na categoria generalista de aluno, sem considerar a condição juvenil. Em alguns trechos dessas normas, os jovens são vistos até mesmo como ‘clientela’”, conta.

Para Ericka, ambas as normas precisam ser revistas. “A LDB foi promulgada no final de 1996, há quase 13 anos. As DCNEM, no final de 1998, ou seja, há 11 anos. Elas foram criadas em um contexto econômico, demográfico e com estatísticas específicas em relação a alunos matriculados, evasão etc. Depois de dez anos, já é outra conjuntura”, pondera.

REFORMAS – Ericka Fernandes acredita que as mudanças que o MEC pretende implantar são positivas. O Ministério propõe modificar a forma de acesso às universidades públicas, com a utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no lugar do vestibular. E o Conselho Nacional de Educação (CNE) debate uma proposta que visa focar o currículo em quatro dimensões básicas para a formação juvenil: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura.

A carga horária também deve ser ampliada. “Essa mudança, especificamente, vai modificar a abordagem curricular, criando a possibilidade de o conteúdo ser trabalhado de um modo mais aprofundado. Ela vai ao encontro das alterações que aponto como necessárias em meu estudo”, diz a pesquisadora. De acordo com Francisco Cordão, presidente da comissão do CNE designada para avaliar as medidas, a previsão é de que o Conselho aprove a proposta, por sua “relevância social e educacional”.

A professora Wivian Weller, que orientou a dissertação de mestrado de Ericka, destaca a importância de estudos como o realizado pela aluna. “Se a intenção é pensar um novo modelo para o Ensino Médio, é preciso saber quem é esse jovem que está na escola, porque se eu, gestor, pretendo ampliar a carga horária, preciso saber se o aluno tem condições de permanecer mais tempo na escola”, observa.

Segundo a docente, os trabalhos sobre juventude e educação, no Brasil, ainda são recentes e estão restritos à academia. “São poucos os gestores públicos que buscam a contribuição dessas pesquisas para a formulação de políticas públicas”, diz. Atualmente, há cerca de 8 milhões de pessoas matriculadas no Ensino Médio no país.