Desejo de compartilhar experiências e dominar o alfabeto musical são as razões que mais levam “cantores de ouvido” a procurarem o ensino formal.

Eles capturam melodias com o ouvido e arrancam belas canções de um instrumento musical, mas não sabem identificar o dó em uma partitura. O desejo de compreender a métrica musical e conviver em um ambiente onde possam compartilhar experiências foram os dois principais motivos apontados por músicos experientes para se matricularem em uma escola de música.


A conclusão é de dissertação desenvolvida pela pesquisadora Maria de Barros Lima pelo Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade de Brasília. Além de identificar a motivação dos músicos para aprender a ler e a escrever notas e ritmos musicais em uma partitura, a pesquisa mostra que o encanto pela teoria se dissolve antes do final do curso. Dos dez músicos entrevistados pela pesquisadora, seis abandonaram a escola por não conseguirem aplicar o novo conhecimento ao que já tinham.


Maria percebeu que a necessidade de conviver com outros músicos estava relacionada com a forma como eles aprendem a arte de cantar e tocar. “Enquanto todas as crianças estão na rua jogando bola, o músico está sentado dentro do quarto, escutando o mesmo disco várias vezes e tentando tirar as notas de ouvido”, explica Maria.


A pesquisadora notou também uma forte influência por parte da família dos alunos, e explica que o simples fato da criança crescer em um ambiente musical é o suficiente para que ocorra uma transmissão de conhecimento musical. “Todos os entrevistados tinham pelo menos um músico na família, formado ou não”.


Foi o que aconteceu com os irmãos Ronivan e Ronivaldo, que formam a dupla sertaneja Roni e Ricardo. Natural de Modelo, em Santa Catarina, e moradores de Brasília desde 2003, eles foram apresentados ao mundo da música pelo pai, professor não formado de acordeom e músico de uma banda de baile por 17 anos. “Ele nos ensinou a cantar e a tocar violão. Com cinco anos de idade já cantávamos lá em Modelo”, conta Ricardo.


Os irmãos procuraram a Escola de Música de Brasília em 2004, atrás de conhecimento teórico. Roni assistia aos cursos de violão e canto popular, e Ricardo aos de viola caipira e canto popular. “Saber na prática é bom, mas a teoria é também muito importante”, acredita Ricardo.


STATUS –
 Outras razões que a pesquisadora identificou para a procura pelo ensino formal foram o comprometimento da saúde vocal dos músicos e a necessidade de ultrapassar seus próprios limites. Alguns já sofriam com problemas como a rouquidão e buscavam técnicas que os ajudassem a forçar menos os músculos da garganta. Outros queriam dominar saberes como o “vibrato”, oscilação da corda de um instrumento musical que produz um som diferenciado, ou pular de uma “oitava” a outra. A oitava é o intervalo entre duas notas iguais, sendo uma imediatamente uma frequência acima ou abaixo da outra. “São coisas que não dizem respeito ao conhecimento musical prático deles, mas que os ajuda a ter um certo status entre os músicos”, explica a pesquisadora.


Questão unânime de queixa e motivo principal para a desistência de alguns alunos foi a distância entre a teoria que aprendem à prática que já vivem em suas carreiras. Maria confirma que, de fato, as aulas teóricas não têm ligação direta com o som, motivo de frustração para os alunos entrevistados. “Para alguém que teve o aprendizado em cima da prática, migrar bruscamente para esse estilo teórico é muito difícil”, diz a professora. “Isso quando a carreira também não se torna um impedimento, tomando muito tempo do aluno” lembra.


Maria conta que muitas das dificuldades de adequação ao método teórico aparecem na hora de ler a partitura e solfejar as notas, fato explicado pelo costume dos músicos a “tocar de ouvido”. “Eles decoram as notas logo na primeira vez que o professor canta, e depois reproduzem de memória, não leem”.


A dupla Roni e Ricardo abandonaram o ensino formal por causa das viagens da turnê de divulgação do CD Em Busca do Sonho, gravado em 2007. O pai da dupla, que ultimamente participa da banda dos filhos, também entrou na escola, em 2010, assim que o curso de acordeom foi aberto, e continua lá até hoje.


Apesar das dificuldades, todos os entrevistados relataram ganhos à Escola de Música, não apenas pelos aprendizados teóricos, mas também pela diversidade vivenciada no local e o conhecimento que receberam sobre outros estilos e instrumentos musicais.


DIPLOMA – 
Chamou atenção da pesquisadora o fato de que nenhum dos músicos ouvidos apontou a necessidade de um certificado como razão da busca pela Escola de Música. Maria aponta a falta de exigência do certificado de músico como explicação para que este quesito sequer fosse mencionado pelos músicos. “O diploma pode ser um diferencial, mas não é uma exigência”, afirma a pesquisadora, que é professora de Canto Popular no Centro de Educação Profissional Escola de Música de Brasília e encontrou nas salas de aula a motivação para a pesquisa.


Outra surpresa foi a dificuldade em encontrar músicos que tivessem ingressado na Escola de Música sem qualquer experiência anterior de ensino formal, mas que já tivessem trabalhado e recebido como músicos. “Foi uma surpresa! A grande maioria dos músicos que toca em barzinho já cursou pelo menos uma escola de música”, completa.