Segundo estimativa mais recente do Instituto José de Alencar Gomes da Silva (Inca), divulgada em 2018, o Brasil deve ter 600 mil novos casos de câncer em 2019. Quase 30% desses casos serão de pele não melanoma. Os mais incidentes no país são os cânceres de próstata, pulmão, mama feminina e cólon e reto. A literatura médica mundial aponta que existem atualmente mais de cem tipos de câncer, que é o crescimento desordenado de células que invadem órgãos e tecidos.
O tratamento é, em geral, realizado pela combinação de várias técnicas, como cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia ou transplante de medula óssea, conforme cada caso. A quimioterapia é um dos procedimentos mais conhecidos e, apesar de eficaz, causa diversos efeitos colaterais, como enjoos, problemas gastrointestinais, perda capilar, anemia e baixa imunidade. Isso porque o tratamento atinge não apenas o câncer, mas também células sadias.
Com o objetivo de minimizar efeitos colaterais e potencializar a terapia, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) em Nanobiotecnologia da Universidade de Brasília tem realizado diversas pesquisas. Algumas delas têm se destacado não apenas por seu potencial de aplicação futura, mas também pelas parcerias com outras instituições de pesquisa do mundo.
Esse é o caso de dois estudos recentes, como o da terapia fotodinâmica (TFD) realizada em parceria com a Universidade de Jinan, na China, e a nanotecnologia aplicada à quimioterapia para câncer, que contou com a colaboração da Universidade de Leipzig, na Alemanha. Ambas foram coordenadas pelo professor da Faculdade de Ceilândia (FCE) Luis Alexandre Muehlmann, que também atua no Programa de Pós-Graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia (PPGNano) do Instituto de Ciências Biológicas da UnB.
“As pesquisas de maior impacto têm algum envolvimento internacional. Com a Alemanha, por exemplo, só foi possível realizar o estudo porque lá eles têm um avançado acelerador de partículas que permitiu obter novos dados e levantar outras hipóteses e conclusões”, informa o pesquisador e farmacêutico bioquímico, que estuda nanotecnologia para câncer desde 2008.
Para Luis Alexandre Muehlmann, além de potencializar os resultados das pesquisas, as parcerias internacionais também possibilitam um choque de culturas, que na ciência é saudável e importante para questionar e contestar dados. “Nós somos muito procurados por instituições estrangeiras via INCT e, em todos os contatos que tive até hoje, sempre há muito interesse em trabalhar em conjunto. Eles também elogiam nossa estrutura física”, relata.
Coordenador do INCT em Nanobiotecnologia, Ricardo Bentes considera que o avanço da Ciência só é possível quando há troca de conhecimentos. Além disso, ele ressalta que a experiência com centros de pesquisa de alto nível é fundamental para a formação dos estudantes: “Eles aprendem novos métodos e formas de olhar para o objeto de estudo, além de aumentar a capacidade crítica. O mesmo vale para os pós-graduandos estrangeiros que nos visitam e desenvolvem parte de sua pesquisa aqui”.
MAIS EFICÁCIA – Publicado na revista Journal of Materials Chemistry B, da Sociedade Real de Química do Reino Unido, o estudo utilizou um quimioterápico clássico usado no tratamento de câncer, a doxorrubicina. Embora já exista no mercado medicamento à base de nanotecnologia – o Doxil –, o custo é muito alto e inacessível para grande parte da população.
“O problema dos quimioterápicos é a sua baixa especificidade, com uma janela terapêutica muito estreita, ou seja, as concentrações da dose tóxica são muito próximas às da terapêutica. Quando a doxorrubicina é injetada no sistema sanguíneo, vai para o tumor e também para vários outros órgãos. Com a nanotecnologia, é direcionada para atingir mais o tumor”, explica Muehlmann.
Para se ter uma ideia da dimensão de uma nanoestrutura, o seu diâmetro é muito pequeno, medindo muitas vezes um milésimo da estrutura de um fio de cabelo. De acordo com o pesquisador, o Doxil é um dos primeiros casos de sucesso de nanotecnologia aplicada na quimioterapia, mas faz um alerta: “Mesmo ele tem problemas não esperados, como efeitos deletérios nas extremidades do corpo”.
Além de buscar alternativas mais econômicas, a pesquisa também conseguiu direcionar a estrutura nanotecnológica – intitulada de RCM-Dox – para a mitocôndria e não mais para o núcleo da célula. “A expectativa, com isso, é justamente reduzir o efeito colateral ao mudar a forma de atuação da substância na célula. Os dados sugerem que as nanocápsulas contendo doxorrubicina seriam mais eficientes contra o câncer e menos tóxicas para outras células vitais”.
A parceria com a universidade alemã de Leipzig foi fundamental para realizar os testes com a nanoestrutura, que foi totalmente desenvolvida na UnB. “O acelerador de partículas só existe na Alemanha, e graças ao projeto europeu e ao financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) foi possível desenvolver a pesquisa in vitro. Houve também colaboração do Inmetro, que possibilitou caracterizar em detalhes a estrutura das nanocápsulas”, salienta.
Intitulado Nanocápsulas com núcleo de óleo de rícino e invólucro de poli (metil vinil co-anidrido maleico) contendo doxorrubicina: desenvolvimento e avaliação de sua atividade citotóxica contra células de câncer de mama humano e murino in vitro, o projeto é fruto de uma dissertação de mestrado. A colaboração possibilitou também que um doutorando fizesse parte de sua pesquisa na Universidade de Leipzig.
Para que o tratamento possa estar disponível para seres humanos, é preciso realizar ensaios pré-clínicos (testes com células de animais) e clínicos (com humanos). “Hoje o INCT não faz teste clínico, mas a indústria farmacêutica pode investir na ideia e dar o próximo passo além da pesquisa básica”.
TERAPIA FOTODINÂMICA – Em parceria com a universidade chinesa de Jinan, a pesquisa desenvolveu nova nanomolécula (DHX1) com propriedades anticâncer ao ser ativada pela luz. Utilizando a terapia fotodinâmica (conhecida pela sigla TFD), foram feitos testes com células de câncer de mama in vitro.
Divulgada na revista internacional Molecules, a pesquisa demonstrou que é possível melhorar o controle dos efeitos tóxicos do tratamento de câncer, com uma ação mais direta no tumor. “A TFD pode tornar as células cancerosas visíveis ao sistema imunitário, que irá reconhecer esse tipo de células e combater o câncer”, esclarece. Isso é viável por conta dos fotossensibilizantes, substâncias fototóxicas ativadas na presença de luz. “Para fazer uma analogia, podemos citar o suco de limão que queima a pele caso exposto ao sol”, exemplifica.
“O tratamento convencional hoje é fazer uma cirurgia para remoção do tumor, mas, dependendo de onde está no corpo, há uma grande perda estética”, comenta. Com isso, a terapia fotodinâmica é usada como recurso para potencializar o tratamento quimioterápico.
De acordo com o pesquisador, o sistema imunitário tem memória e permite que sejam identificadas células cancerosas de mesmas propriedades em todo o organismo. Portanto, a possibilidade de reincidência daquela doença é muito pequena. “Em certas pesquisas com animais e humanos, foi observado que o tratamento de um tumor acaba ativando o sistema imunitário contra as metástases. É o chamado efeito abscopal”.
A desvantagem desse tipo de tratamento é que ele não serve para todos os tipos de câncer, apenas os superficiais, onde a luz pode ter contato. A publicação é resultado da pesquisa da chinesa Juan Zhang, doutora titulada pelo PPGNano.
INVESTIGAÇÕES POTENCIAIS – Uma nova parceria foi feita com o professor Steven Fiering, dos Estados Unidos, imunologista especialista em câncer. “Ele nos procurou porque quer aplicar o mecanismo da ativação do sistema imunitário à fototerapia”, conta Muehlmann.
“Como as duas técnicas funcionam, a proposta é combiná-las para ter uma eficácia ainda maior, e as chances dessa estratégia chegar a experimentos clínicos são muito grandes”, expõe. A expectativa dos pesquisadores é trabalhar com melanoma, um câncer de pele muito agressivo, que tem alto índice de morbidade.
A ideia baseia-se em um mecanismo utilizado por um cirurgião do século XIX – William Colley – que percebeu que um paciente que teve uma infecção pós-remoção cirúrgica de um tumor teve regressão do câncer. A partir disso, ele passou a injetar bactérias para simular a situação de infecção e estima-se que ele tenha curado mais de 300 pessoas com câncer.
Isso porque quando se injeta bactéria, ativa-se o sistema imunitário naquele local do câncer e, por acidente, o organismo reconhece aquelas células como algo danoso para o organismo. “Nesta pesquisa a ser desenvolvida em parceria com o pesquisador dos Estados Unidos, a estratégia é a mesma, mas serão utilizadas moléculas de bactérias que não causam mal para o paciente”, afirma.
O último prêmio Nobel de medicina foi nessa área. Tasuku Honjo e James Allison descobriram como ativar o sistema imunitário da pessoa contra o próprio câncer. “Por exemplo, para alguns casos de melanoma em que 5% dos pacientes tinham a doença controlada, com o uso da técnica desenvolvida por eles, esse índice foi de 50%”.
SAIBA MAIS – O grupo de pesquisa do Laboratório de Nanociência e Imunologia, vinculado ao INCT, mantém uma página em rede social para divulgar o andamento de suas atividades. Acesse o perfil ImunoNano.
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