A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, um dos maiores sistemas fluviais da América do Sul, vem sofrendo, nas últimas décadas, degradação ambiental em grande escala. São impactos principalmente na cobertura do solo, hidrologia (poluição e qualidade das águas) e nas condições ambientais que colocam em risco a biodiversidade da bacia e os serviços ecossistêmicos. Atividades de agronegócio, aquicultura, mineração e geração de energia hidrelétrica, amparadas inclusive pela legislação em vigor, são as principais ameaças.
Sobre isso fala o artigo Large-scale Degradation of the Tocantins-Araguaia River Basin, publicado recentemente na revista internacional Environmental Management e assinado por um grupo de 58 pesquisadores. Encabeçado por Fernando Mayer Pelicice, professor de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Tocantins, o trabalho conta com a participação dos docentes do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UnB Guarino Colli, Ludgero Vieira e Murilo Dias, e de dois ex-alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, também da UnB, Pedro Ribeiro Martins e Hasley Rodrigo Pereira.
Vale destacar que, por ter sido publicado em revista internacional, o artigo terá alcance ainda maior, em um momento em que o mundo inteiro se volta para os problemas ambientais do Brasil.
SÍNTESE – O trabalho faz resumo significativo de diferentes estudos realizados na bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, nos últimos anos, incluindo estudos de campo, sobre os principais impactos e problemas da região. “Esse rol de autores tem artigos, trabalhos e coletas de campo na bacia. São pesquisadores com grande conhecimento da região. Compilamos ainda informações importantes de outras literaturas”, explicou o professor Ludgero Vieira.
Estudos como os realizados pela Expedição Biguá – que rendeu cobertura para a edição 21 da revista Darcy – contribuíram para essa síntese. A expedição foi a campo, com grupo multidisciplinar de pesquisadores, levantando dados primários, como a verificação da situação do mercúrio nos peixes ou ainda da biodiversidade das plantas aquáticas.
ALERTA – A bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia tem importância econômica, social e cultural para o Brasil. De acordo com projeções da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), a produção agrícola de área cultivada na região deve continuar aumentando significativamente nos próximos anos. Além disso, prevê-se um aumento grande de barragens hidrelétricas. Apesar de gerar recursos e renda nacional e internacionalmente, o artigo alerta que tal expansão está sendo feita de forma não sustentável.
“É importante enfatizar que os pesquisadores não estão indo contra a ideia de que não se deve crescer, produzir ou desenvolver o país. A questão é que qualquer atividade humana gera impacto, e a ciência traz ferramentas e opções que poderiam minimizar e mitigar todos os tipos de impacto”, explica Ludgero.
O artigo explica ainda que, ao aumentar as atividades do agronegócio, também é elevado drasticamente o uso de pesticida, sem nenhum processo de zelo ambiental ou de sustentabilidade. Acrescenta-se a isso a demanda por irrigação, que impacta a quantidade de água nos rios. “A agricultura e a pecuária aumentam na região de forma muito acelerada e sem nenhum freio do ponto de vista de qualidade ambiental. Então essa é outra preocupação”, pontuou o docente da UnB.
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que os problemas climáticos estão chegando antes do esperado, o que vai afetar também a bacia. “As projeções para a área do Cerrado indicam aumento de temperatura e diminuição da quantidade de águas”, destaca. Soma-se a isso o desmatamento na Amazônia, que automaticamente leva a uma diminuição de chuvas na região Centro-Sul.
Em suma, é um somatório de problemas: a agricultura se expande, aumentam a pecuária e a retirada das águas dos rios da bacia para irrigação, num contexto de mudanças climáticas aceleradas.
POLÍTICA – O artigo destaca que, para mitigar os danos na região, é preciso discutir políticas públicas, leis e decretos, e levar conhecimento científico para embasar as ações dos gestores. A ideia é muni-los de informações importantes que poderiam minimizar os impactos ou até mesmo revertê-los, já que há conhecimento disponível para isso.
“Há um mito de que a academia científica não procura a política. Isso até acontece em alguns casos, mas não é uma regra geral. Há muitos cientistas que buscam essa parceria e levam informações para os tomadores de decisão. O problema é que, muitas vezes, eles não estão interessados em ouvir que há problemas”, pontuou Ludgero.
“O interessante é que, por termos acumulado tanto conhecimento nos últimos anos a nível global, sabemos que existem estratégias viáveis que poderíamos implementar a curto, médio e longo prazo para mitigar significativamente esse impacto humano”, completou o pesquisador.
ALTERNATIVAS – O artigo chama a atenção para decretos que permitem, por exemplo, a criação de peixes não nativos na região, os chamados peixes exóticos, como a carpa capim e a tilápia do Nilo. São animais com alto potencial invasivo, que trazem consequências catastróficas para a fauna local. É um exemplo de legislação que possibilita acelerar a expansão de uma aquicultura não sustentável na bacia. A proposta dos pesquisadores é que já há tecnologias suficientes para cultivar peixes locais (nativos) na própria bacia hidrográfica, o que geraria um menor impacto ambiental.
Aliar desenvolvimento econômico com preservação da biodiversidade passa, portanto, pela discussão de políticas públicas, leis e decretos, com base em conhecimento cientifico. Esta é uma das principais mensagens do artigo. “Qual é a motivação de uma lei em aprovar a criação de um peixe exótico, por exemplo? Falta comunicação? Falta interesse político? Falta conhecimento dos eleitores que colocam esse político lá?”, questiona Ludgero.
Confira mais informações sobre pesquisas e impactos da degradação ambiental na bacia Tocantins-Araguaia na página Araguaia Vivo, criada pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais e Limnológicas da Faculdade UnB Planaltina (FUP).