Expedição na Serra do Tombador também identificou animais com taxonomia indefinida e cuja ocorrência é comum em outras regiões

Vinícius Guerra/Fundação Boticário

 

Quarenta dias de expedição no Cerrado que renderam o registro de 55 espécies de répteis e 34 de anfíbios, entre raras e endêmicas no bioma. Estes foram o tempo e os resultados da pesquisa de campo realizada seis anos atrás por cientistas da UnB e de outras instituições na Reserva Natural Serra do Tombador, no município de Cavalcante (GO). Os achados ganharam visibilidade recentemente em artigo publicado na tradicional revista científica Arquivos de Zoologia, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

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Liderada pelo professor do Departamento de Engenharia Florestal (EFL) da UnB, Reuber Brandão, a pesquisa, focada na catalogação de espécies animais, envolveu equipe técnica multidisciplinar composta por cerca de 40 participantes. Vinte deles eram profissionais da UnB e cinco especialistas em herpetofauna, ramo da zoologia dedicado ao estudo dos répteis e anfíbios. Entre os pesquisadores que assinam o artigo estão, além de Reuber, Vinicius Guerra, da Universidade Federal do Acre, e Werther Pereira Ramalho e Iberê Farina Machado, do Instituto Boitatá de Etnobiologia e Conservação da Fauna.

Equipe de pesquisadores da UnB e de outras instituições ficou 40 dias catalogando animais da Serra do Tombador, em Goiás. Foto: Divulgação/Fundação Boticário


"Estudos básicos de levantamento de espécies como este são a primeira etapa para a realização de pesquisas posteriores mais aprofundadas. Eles servem para avaliar a biodiversidade, determinar a localização, entender os habitats desses animais e identificar novas espécies”, explica Reuber, que integra o Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação da UnB e a Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). A rede reúne cerca de 80 profissionais nacionais e do exterior, de diversas áreas, que se voluntariaram para ser porta-vozes da natureza, com o objetivo de proteger a biodiversidade brasileira.

Como resultado da expedição, foram avistados cerca de 800 animais, coletados por meio de armadilhas de interceptação e queda, busca ativa e encontros ocasionais. Entre os exemplares identificados, estão, principalmente, de lagartos, serpentes, sapos, rãs e pererecas. Cinquenta por cento das espécies são endêmicas do Cerrado, ou seja, ocorrem somente nesta região geográfica.


DESCOBERTAS – Um dos achados de destaque é um sapo minúsculo, com cerca de 18 milímetros, o Allobates goianus, encontrado apenas em algumas localidades do Cerrado brasileiro. A espécie não era vista em algumas regiões do bioma há décadas. “Lá na reserva, nós encontramos a população mais saudável já reconhecida dessa espécie, ainda ameaçada”, pontua o coordenador da pesquisa.

Na Serra do Tombador também foram identificadas espécies antes avistadas somente no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, área próxima à reserva. “Os novos registros mostram que as espécies estão além dos limites conhecidos e que a reserva ajudou a aumentar os esforços de conservação genética e molecular delas”, comenta Reuber. O estudo aponta a possibilidade de muitas das espécies do parque serem encontradas na reserva em futuras iniciativas de monitoramento a longo prazo.

Professor do Departamento de Engenharia Florestal da UnB, Reuber Brandão é especialista em herpetofauna e coordenador da pesquisa. Foto: Renata Françoso


Outro exemplo de mudança de localidade ocorre com o sapo Rhaebo guttatus, até então registrado apenas na Amazônia e famoso por disparar um veneno amarelado pelas glândulas. “A presença dele [na Serra do Tombador] se deve por influência do vale do Rio Tocantins e realmente foi uma surpresa encontrá-lo. Mas novamente, demonstra a importância da área do ponto de vista biogeográfico, uma vez que abriga elementos da fauna do Cerrado e da Amazônia”, salienta o biólogo.

Durante a pesquisa, os cientistas também avistaram a espécie Proceratophrys branti, que não é encontrada em nenhuma outra área protegida do Cerrado. “Isso significa que a presença dela ali é a melhor garantia da conservação dessa espécie endêmica. Isso também vale para as espécies Scinax rupestris e Leptodactylus tapiti, que eram conhecidas apenas no Parque Nacional Chapada dos Veadeiros”, esclarece Reuber.

Entre as espécies catalogadas, há ainda uma com status taxonômico indefinido, o que pode, eventualmente, corresponder a uma nova descoberta. Ainda será realizada uma análise de sequências de DNA, mas o especialista acredita que ela não seja diferente dos Dendropsophus microcephalus encontrados no Norte do estado de Goiás.

Dos répteis, um exemplo raro é a cobra coral falsa Apostolepis sanctaeritae. Ela é vermelha, com a cabeça branca e preta, como a cobra venenosa. Também é uma espécie considerada rara e de biologia desconhecida, sendo identificados pouco mais de dez indivíduos em todas as coleções científicas do país.

Veja os répteis e anfíbios catalogados durante a expedição. Fotos: Vinícius Guerra/Fundação Boticário

 

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QUIROPTEROFAUNA CATALOGADA –
Reconhecida em 2009 como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), ou seja, uma unidade de conservação de domínio privado e perpétuo, a Serra do Tombador pertence à Fundação Boticário de Proteção à Natureza desde 2017 e possui 8.730,45 hectares, uma das maiores reservas particulares do Cerrado. Financiadora do projeto da UnB, a Fundação já apoiou cerca de 1.600 iniciativas em todos os biomas no país e protege duas áreas de Mata Atlântica e Cerrado – os biomas mais ameaçados do Brasil, somando 11 mil hectares.

Atualmente, a Serra do Tombador não está aberta à visitação e tem seu foco principal em conservação e pesquisa científica. A quase 100 quilômetros da sede do município de Cavalcante, ela está localizada em uma região de prioridade alta para a proteção da biodiversidade.

“É um Cerrado extremamente conservado, que me surpreendeu pelas extensas formações florestais e morros. Ao olhar de longe da estrada, quase lembram a Mata Atlântica”, comenta a bióloga especialista em morcegos Ana Martins, que à época da expedição era pesquisadora da UnB.

Especialista em morcegos, Ana Martins desenvolveu estudo sobre morcegos catalogados na Serra do Tombador. Pesquisa levantou 20 espécies na região. Foto: Arquivo pessoal


Ela desenvolveu um estudo a partir de dados coletados sobre a quiropterofauna, ou seja, sobre morcegos, na Serra do Tombador. O estudo resultou em 120 capturas de animais e no registro de 20 espécies de morcegos, em quatro quatro famílias: Phyllostomidae, Molossidae, Mormopidae, Vespertilionidae, o que representa 22% das 118 espécies já catalogadas no Cerrado.

O levantamento será publicado em artigo em elaboração. “Nosso objetivo era ampliar a lista da fauna desta região pouco explorada pela ciência. Lá é uma área rica em morcegos e com grande potencial para estudos, superando a riqueza de outras áreas protegidas, como o Parque Nacional de Brasília”, afirma Ana.

CONSERVAÇÃO – Segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado possui uma alta diversidade de plantas e animais e combina campos, savanas e formações florestais na paisagem. Cerca de 52% das 209 espécies de anfíbios e 39% das 267 espécies de répteis do Cerrado são endêmicas. No entanto, o bioma sofre com a alta taxa de fragmentação e a perda de habitats naturais devido à agricultura e expansão urbana.

De acordo com a pesquisa, nas duas últimas décadas, houve perda de 25% da cobertura original do bioma. Outro dado alarmante é quanto à baixa representatividade da vegetação original em áreas protegidas – são apenas 6,5%. Sem contar as altas taxas de desmatamento anual e os obstáculos políticos para a criação de novas áreas protegidas.

Deste modo, dados sobre ocorrência e riqueza das espécies são extremamente importantes para apoiar estratégias realistas de conservação, como a criação e manutenção de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) semelhantes à Serra do Tombador. Segundo Reuber Brandão, as RPPNs são importantes instrumentos de proteção da biodiversidade do bioma.

“Criar uma área protegida é uma ação antrópica. Mas quando essas ações são voltadas para evitar o extrativismo, mineração, plantio, desmatamento, monocultura e caça, elas são muito importantes”, pondera.

EXPECTATIVAS FUTURAS – Entre as possibilidades de desdobramento das pesquisas na reserva, Reuber Brandão cita que há interesse em estudos do ponto de vista farmacológico. "Há uma grande diversidade de anfíbios com um arsenal químico, que pode ser usado para a criação de novos produtos de biotecnologia”, explica.

Pretende-se, ainda, estabelecer outra frente de pesquisa, focada especialmente no manejo integrado do fogo como estratégia de prevenção e combate a incêndios na região. “Queremos ainda testar o impacto do fogo e entender como ele causa perda de espécies, como afeta os animais e também o papel de cupinzeiros como abrigo durante as queimadas", discorre.

 >> Saiba mais sobre as potencialidades da Serra do Tombador

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