Pesquisa da UnB situa a demência como doença social, apontando que atendimento mais humanizado por parte dos familiares cuidadores ajuda a reduzir o uso de medicamentos de controle.

O avô não lembra o nome dos netos porque está velhinho. Já a avó não sabe mais os endereços porque está caduca. Essas afirmações relacionadas aos distúrbios de memória em idosos faziam parte do senso comum até pouco tempo atrás. As falhas de memória, a confusão mental e as mudanças de humor e comportamento são hoje sintomas reconhecidos da demência.


A partir dessa constatação, a pesquisadora Aline Folle analisou a representação social da demência para familiares cuidadores de pacientes. Pelo resultado de sua investigação, evidenciou-se que pacientes sob cuidados apropriados necessitam de menos remédios para seu tratamento, além de atenuar males que acompanham a demência, como depressão, mudanças de humor, ansiedade e paranóia.


“A demência em idosos era vista como simples problemas de memórias naturais ao processo de envelhecimento”, avalia a farmacêutica que acaba de defender sua dissertação em Saúde Coletiva. A estudiosa relata que a doença de Alzheimer assume destaque por equivaler a 70% dos casos diagnosticados no mundo. O fenômeno chamado de biomedicalização da demência corresponde a uma abordagem da doença em termos dos universos médicos e científicos e vem ocorrendo nos últimos vinte anos na sociedade como resultado da popularização das descobertas científicas sobre o tema.


“Quando as pessoas passam a entender a demência como uma consequência de uma condição médica, fica mais fácil dar suporte, prever atitudes e acompanhar”, explica Aline. Em contrapartida, ela reconhece que deve ser levada em consideração a experiência de quem convive com a doença. “Os profissionais da saúde ganham porque passam a conhecer melhor os problemas enfrentados não apenas pelos pacientes, mas por quem cuida deles”, afirma.

Aline é farmacêutica formada na Universidade de Brasília e se interessou pelo tema após estagiar e trabalhar como professora substituta no Centro de Medicina do Idoso do Hospital Universitário de Brasília, que funciona no ambulatório 2 e atende pacientes não só com doença de Alzheimer, mas também com outras demências. “Somos referência em atendimento ao idoso no Distrito Federal. A maioria dos pacientes que recebemos são casos de demência”, informa Marco Polo Dias, geriatra, diretor do Centro e doutor em saúde coletiva. 

Marco Polo acredita que o trabalho de Aline, ao procurar entender e se aprofundar na rotina dos cuidadores familiares, “auxilia na identificação das lacunas de conhecimento deles”, explica. Ele diz ainda que, ao conhecer melhor a doença, entende-se o processo como ela acontece, "sendo possível cuidar do idoso de forma mais adequada”. E esse entendimento faz toda a diferença, inclusive no que diz respeito ao tratamento farmacológico. “Esse estudo aponta para o fato de que pacientes com demência que recebem cuidados apropriados necessitam menos de remédios para atenuação de comportamento”. 

No caso, o geriatra refere-se aos medicamentos receitados para atenuar males que acompanham a demência: depressão, mudanças de humor, ansiedade e paranóia são alguns deles. “São justamente esses fatores que agravam o desgaste na rotina por parte dos cuidadores e contribuem para o estigma associado à demência”, lembra Aline. 


METODOLOGIA -
 Para realizar o trabalho, a pesquisadora optou por uma análise qualitativa. Ela entrevistou 26 familiares cuidadores de pessoas com demência, utilizando um roteiro de temas motivadores para as falas, como rotina, dificuldades, expectativas. As conversas foram gravadas e transcritas, para então serem submetidas a um software de análise de dados textuais, o Alceste. A pesquisadora forneceu os textos equivalentes às transcrições de entrevista com as devidas marcações de começo e fim de sentença, além de discernir quem fala. A análise resultante do Alceste possibilita a exploração da estrutura e organização do discurso dos atores sociais e fornece o acesso às relações entre os universos lexicais. “O programa é estatístico e fornece classes caracterizadas pelo vocabulário e por segmentos de textos com esse vocabulário”, explica.  

O resultado dessa análise aponta para os temas e problemas mais recorrentes em dois eixos principais: a rotina de cuidados e as repercussões emocionais. “Fica mais fácil relacionar os termos médicos com analogias do senso comum e identificar quais são as necessidades dos cuidadores”, diz. Aline é otimista em relação a esse equilíbrio entre o termos do universo biomédico negociada com os saberes populares . “É uma doença socialmente partilhada, existe essa discussão na mídia e é também retratada na ficção, o que contribui para diminuir o estigma”. 

Mesmo com a visibilidade nos meios de comunicação, Aline concluiu com seu trabalho que os cuidadores e familiares precisam, além de instrução sobre os conhecimentos científicos disponíveis sobre a demência, de um cuidado mais pessoal. Nesse sentido, é indicada a disponibilização de grupos de apoio para cuidadores familiares e assistência psicológica. Sabe-se que intervenções educativas junto ao grupo que foi estudado estão associadas à redução da sobrecarga relacionada ao cuidado e isso melhora a qualidade de vida do doente e da família. “O sofrimento dos familiares em uma doença social é inevitável, mas pode ser administrado da melhor forma possível”, complementa.