Mostra de jogos digitais desenvolvidos na UnB revela aptidões para mercado promissor. Há dez anos, disciplina reúne estudantes de diferentes áreas e introduz jovens no mundo profissional 

 

8ª Exibição de Jogos Digitais da UnB é evento de conclusão de semestre na disciplina Introdução ao Desenvolvimento de Jogos (IDJ). Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Em um universo de fantasia, colossos (gigantes passivos com proporções continentais) abrigam seres com feições humanas, que se valem da energia dos grandalhões para terem poderes mágicos. Seres massivos que são, cada colosso passa a acreditar sobremaneira em sua própria potência, causando rivalidades. Os embates são travados por seus habitantes humanoides. Entre eles, o personagem principal, que precisa escolher um caminho a trilhar.

 

É dentro deste enredo que se desenrola o jogo digital Nephesh, cujo nome é uma alusão à alma dos colossos. Desenvolvido no primeiro semestre de 2018 na disciplina Introdução ao Desenvolvimento de Jogos (IDJ), o game boss-fight single player (de jogador único) top down (que corre de cima para baixo na tela) foi o ganhador da categoria Melhor Jogo da 8ª Exibição de Jogos Digitais da UnB, ocorrida no começo do mês de julho. O evento reúne os trabalhos finais da disciplina.

 

Nephesh também arrematou premiações nas outras três categorias da mostra: 2º lugar em Melhor Arte e em Melhor Música e 3º lugar em Melhor Programação. Ao todo, foram apresentados 13 jogos, em uma tarde que propiciou aos estudantes exibirem seus produtos a uma plateia composta por leigos e representantes da indústria temática. Um deles, a empresa paulista TFG (Top Free Games), que patrocinou o evento e esteve lá para recrutar novos talentos. 

Equipe que desenvolveu o jogo Nephesh, premiado em mostra acadêmica. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Henrique Alves está no terceiro semestre do curso de Design e integrou a equipe multidisciplinar que desenvolveu Nephesh. Ele e oito colegas elaboraram uma proposta de jogo que gostariam de continuar a desenvolver depois da disciplina. “É um jogo para quem gosta de desafios”, define o estudante. Foi o primeiro jogo que ele ajudou a desenvolver, e talvez não seja o último. “Tenho interesse na área e essa foi uma experiência muito gratificante”, comenta.

 

Dificuldades como tempo escasso e atenção dividida entre o jogo e as demandas de outras disciplinas do semestre estiveram presentes no processo vivenciado por Henrique, mas o que realmente o impactou foi o desafio de construir os cenários do jogo. “Trabalhamos muito em cima do mapa e na interação com o mundo no jogo.” Para ele, o sucesso se deve ao fato de o grupo ter conseguido trabalhar bem em equipe. “Nos comunicamos muito durante o processo”, lembra.

 

DISCIPLINA Dinâmica de trabalho em equipes multidisciplinares é uma das habilidades desenvolvidas pelos estudantes matriculados em IDJ. Criada há dez anos pela professora Carla Castanho, da Ciência da Computação (CIC), a disciplina começou apenas com os estudantes de programação. Os jogos não tinham uma interface, até que, há oito anos, Carla conheceu o trabalho do professor Tiago Barros, do Departamento de Design (DIn), que desenvolvia exatamente esta parte. “Mas lá eles não tinham o software, um programa que fizesse aquilo funcionar”, lembra a docente.

 

A partir de então, ambos propuseram unir alunos de Exatas e Humanas para produzir os jogos em equipes híbridas. À época, o músico Renan Ventura, ex-aluno da disciplina e hoje professor voluntário da UnB, fez a ponte entre Carla, Tiago e o professor do Departamento de Música Mário Brasil, que introduziria à experiência alunos responsáveis pelas trilhas e pelos efeitos sonoros dos jogos. Depois, o grupo ainda estreitou laços com a Faculdade do Gama (FGA), onde há o curso de Engenharia de Software.

 

A matéria dá a universitários dos três perfis (designers, programadores e músicos) a chance de conhecer os processos existentes na produção de um jogo e as principais técnicas envolvidas. Ao longo do semestre, há disciplinas independentes nas quatro faculdades, que visam preparar os alunos. Os de Ciência da Computação e Engenharia de Software desenvolvem habilidades de programação de jogos digitais, como a elaboração de um motor de jogo (game engine). Estudantes do Design desenvolvem competências artísticas, como ilustração e animação. Para os discentes de Música, o foco está no estudo teórico-prático das composições.

 


Professores Tiago Barros (Design), Matheus Faria (FGA), Carla Castanho (CIC), Renan Ventura (MUS) e Mário Brasil (MUS): multidisciplinaridade para o desenvolvimento de jogos digitais. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Em determinado momento, é realizada uma aula conjunta, que chega a ter mais de cem alunos. Ali são formadas equipes multidisciplinares para dar início ao trabalho prático. A ideia é fornecer uma amostra de como funciona uma empresa real de desenvolvimento de jogos. “Para as dinâmicas da UnB, ter equipes multidisciplinares é bastante inovador e o resultado tem sido muito satisfatório”, comenta Carla Castanho, que, a princípio, não atuava no desenvolvimento de jogos. “A demanda dos estudantes era muito grande. Muitos já chegam na Universidade tendo o objetivo de trabalhar com isso”, conta. A experiência tem sido tão proveitosa, para estudantes e professores, que o tema tem se desdobrado na pós-graduação.

 

Os protótipos desenvolvidos na disciplina não podem ser comercializados, e a patente é da Universidade. Em breve os jogos apresentados no evento deste mês serão hospedados no site da disciplina. Também está na internet um repositório de códigos-fonte, arquivos de som e imagens dos jogos.

 

PROFISSIONALIZAÇÃO – O universo de jogos é imerso em termos em inglês, em aficionados pelos jogos, e em dinheiro – muito dinheiro. Segundo a professora Carla Castanho, a indústria já fatura mais do que a do cinema. É um mercado em expansão. Por isso, a demanda por profissionais capacitados é cada vez maior.

 

“As empresas nos relatam que há programadores, designers e artistas formados, mas não necessariamente voltados ao mercado de jogos. Ou seja, os estudante que sai da universidade ainda precisa aprender muita coisa para trabalhar no setor”, comenta a docente. A disciplina de Introdução ao Desenvolvimento de Jogos vem para facilitar esse caminho. “Nosso trabalho preenche uma lacuna que havia na formação. Reconhecemos que se trata de um mercado que não tem mais volta, não é uma febre, mas requer profissionais habilitados”, analisa.

 

De fato, vários grupos de alunos que passaram pela disciplina e se graduaram na UnB hoje desenvolvem jogos como negócio. Muitos aproveitam as oportunidades da multincubadora do CDT e se projetam no mercado. As empresas Behold StudiosFira Soft e The Balance Inc. são exemplos de sucesso. A primeira, formada pelos ex-alunos Hugo Vaz (designer) e Saulo Camarotti (programador), ultrapassou o faturamento de R$ 1 milhão em 2013. Em 2015, lançou o jogo Chroma Squad, que em uma semana rendeu R$ 600 mil.

 

Eduardo Freire, Gustavo Arcanjo, Felipe Modesto e Luiggi Refatti, todos programadores, e o músico Herman Ferreira, são egressos à frente da Fira Soft. A empresa recebeu prêmio do Sebrae por ser uma das mais produtivas de 2013. Pedro Cataldi e Rafael Gatti, ambos designers, e os programadores Lucas Carvalho e Luciano Santos, fazem parte da The Balance Inc. 

Simião Carvalho e Matheus Pimenta, egressos da disciplina de Introdução a Desenvolvimento de Jogos, atualmente trabalham na empresa TFG. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

Há ainda o programador Alex Campelo, que é desenvolvedor no jogo State of Decay 2, e ex-alunos trabalhando em grandes empresas, como a Samsung Manaus e a patrocinadora da mostra, TFG, que tem sete egressos em seu corpo funcional. Simião Carvalho é um deles. Graduado em Engenharia de Software em 2017, ele cursou a disciplina em 2014 e foi monitor nos anos seguintes. “Estava no quinto semestre e, apesar de já ter feito alguns jogos pequenos antes, para tentar aprender, a disciplina de IDJ foi a oportunidade em que pude trabalhar em um projeto maior e em colaboração com estudantes de outras áreas.”

 

Hoje, do lado rentável da produção, Simião dá dicas aos estudantes que desejam seguir carreira. Ele destaca que o mercado de desenvolvimento de jogos oferece muitas oportunidades, “tanto em empresas independentes, que apostam tudo em um título, quanto em marcas gigantescas”. Para o engenheiro, não há segredo: o começo é mesmo a mão na massa. “Façam jogos!”, aconselha. 

 

“Comece com os pequenos, implementando clássicos como Asteroids ou Pacman, e participe de vários eventos da área, como game jams e mostras de jogos. Com o tempo, vem a capacidade de fazer jogos mais complexos e de maior qualidade”, completa. Em Brasília, a BRING (Brasilia Indie Games) reúne desenvolvedores independentes da cidade em eventos deste tipo.

 

 

 

 

 

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