O idioma siríaco já foi língua popular em boa parte do mundo oriental antigo, em territórios compreendidos entre o Líbano e a Mongólia. Atualmente, no entanto, é utilizado apenas em rituais litúrgicos de igrejas cristãs, como a Igreja Ortodoxa Síria, e em regiões remotas do Oriente Médio. Apesar da relevância histórica da língua, o trabalho de traduzir um texto do siríaco para o português só começou a ser elaborado há pouco tempo.
A iniciativa foi do doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS/UnB), Marcus Vinicius Ramos. Em sua tese, ele apresenta e traduz para o português o texto Apocalipse Siríaco de Daniel, além de traçar comentários que ajudam a entender o contexto histórico do documento - quando e onde foi escrito, para quem foi elaborado e por que sobreviveu durante tantos séculos.
O Apocalipse Siríaco de Daniel é um texto baseado no livro de Daniel canônico, presente na Bíblia. O texto em siríaco foi uma adaptação do escrito original (feito, aproximadamente, em 160 a.C.) para a realidade de grupos cristãos do séc. VII d.C. No próprio título da obra analisada por Marcus é possível perceber que o nome do personagem da adaptação cristã permaneceu o mesmo.
Além da tradução para o português, o escrito só possui versões em esperanto e inglês. Essa última, elaborada por Matthias Henze, é criticada por Marcus em sua tese. De acordo com o pesquisador, apesar das adaptações necessárias, a tradução para o português é mais literal, ou seja, mais fiel ao escrito original, com datação provável no século VII d.C. O professor Virgílio Caixeta Arraes, chefe do Departamento de História da UnB, argumenta que a importância do trabalho se deve ao “pioneirismo do estudo do tema no Brasil, de um assunto pouco ligado ao cotidiano e às raízes culturais do país".
INTERESSE - O contato inicial de Marcus com o texto Apocalipse Siríaco de Daniel surgiu após assistir a uma palestra, na UnB, da professora Alison Salvesen, da Universidade de Oxford, em que ela discorria sobre a obra. O pesquisador se interessou pelo texto ao perceber a carência de estudos sobre a obra e a resistência do documento ao longo dos séculos, o que, segundo ele, "traz uma importância histórica singular" à pesquisa.
Para realizar a tese, Marcus se convenceu de que era necessário entrar em contato com o texto em seu idioma original. Por indicação de seu orientador e líder do Projeto de Estudos Judaico-Helenísticos (PEJ), o professor Vicente Dobroruka, e com auxílio da professora Alison e do corpo docente da Universidade de Oxford, Marcus passou um ano estudando siríaco no Wolfson College, na Inglaterra. Dobruroka ressaltou que, ao buscar referências e estudiosos no exterior, seu orientando está levando ideias e discussões para fora do país. Para atingir um público maior, Marcus planeja publicar, também, a tradução e os comentários em inglês.
O doutorando também faz parte do PEJ, grupo de trabalhos científicos em História da UnB que tem como principal foco os estudos orientais. Marcus é membro desde que era aluno de graduação em História. O PEJ surgiu em 2001 e, atualmente, o grupo conta com 13 membros, espalhados em instituições de ensino ao redor do Brasil e do Mundo, como na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e em países como Canadá e Inglaterra, principalmente.
Marcus Vinicius se formou na primeira turma de Medicina da UnB e é especialista em Radiologia pela Universidade Rush, em Chicago, nos Estados Unidos. Segundo ele, a paixão pela História é antiga. Com a diminuição das pressões na vida profissional pode, finalmente, se dedicar a estudos nessa área. Prestou o vestibular e ingressou no curso em 2004. Logo após a graduação, fez o mestrado e, agora, com 66 anos, faz o doutorado, que espera finalizar em meados de 2014.