Por trás das espécies de pássaros da subfamília Fluvicolinae existe um mistério ainda não desvendado pela ciência: quanto mais distante os animais estão da Linha do Equador maior é o número de ovos por ninhada. O grupo reúne 132 espécies: dentre as 56 brasileiras algumas são bem conhecidas, como o vermelho Verão, a Maria Preta ou a Lavadeira. Levantamento feito pelo biólogo Neander Heming, doutorando da Universidade de Brasília, indica que mais de uma causa pode estar relacionada ao fenômeno.
“Existem duas hipóteses principais para o grande número de ninhadas nas áreas mais próximas aos pólos Sul e Norte”, afirma o pesquisador, que produziu o levantamento a partir da análise de 300 artigos e livros científicos sobre o tema. Juntos, os trabalhos analisaram 4.250 ninhos. “Uma delas defende como causa a maior duração dos dias em relação às noites em determinadas épocas do ano em latitudes elevadas”, explica. Com mais luz, os animais teriam mais tempo para buscar alimentos. “Com mais oferta de alimentos, as ninhadas tendem a ser maiores”, comenta Neander.
A outra hipótese também está relacionada à oferta de alimentos, desta vez, no entanto, em consequência da existência de estações bem definidas nos pólos Sul e Norte. “Por causa da grande mortalidade de pássaros no inverno, sobram muitos alimentos na primavera, estação seguinte. Com o aumento da oferta, mais ninhos são formados”, supõe.
O pesquisador observou que a maioria das publicações trata da hipótese da sazonalidade. “A hipótese relacionada à duração do dia é mais difícil de ser testada, por que depende de um controle artificial difícil de ser realizado, como o tempo de luz disponível para os ninhos”, explica Neander. O biólogo considerou estudos de campo, realizados em amostras de ninhos de várias regiões do continente americano, nos quais uma das duas hipóteses foi testada. A maior pesquisa avaliada analisou 900 ninhos diferentes.
COMPARAÇÃO – A partir da literatura, Neander contrapôs a variação do número de filhotes por ninhos em todo o continente americano, que vai de um mínimo de dois até o máximo de sete, aos dados sobre o tempo de luminosidade do sol durante o dia, temperatura, transpiração de plantas e evaporação – todos retirados das bases de dados internacionais WorldClim e Consortion for Spatial Information. Com ajuda de análises feitas no computador foi possível identificar a parcela dessa variação que pode ser explicada por cada hipótese.
De acordo com os resultados, a hipótese das estações definidas tem o potencial de explicar 22% da variação enquanto que a da duração do dia explica aproximadamente 25% dos casos. “O modelo mostra ainda que cerca de 18% dos casos podem ser explicados pelas duas hipóteses ao mesmo tempo”, afirma Neander. O pesquisador ressalta a importância de que outros estudos sejam feitos para avaliar esses resultados.
Ele alerta para a falta de estudos sobre as espécies no hemisfério sul. “O Brasil abriga a maior parte das espécies de Fluvicolinae, mas quase toda a literatura se baseia em pesquisas feitas nos países da América do Norte”, afirma. No total, o pesquisador identificou 2.400 amostras de ninhos apenas nos Estados Unidos e Canadá e cerca 1.850 em todos os demais países do continente (veja mapa) “Muitos autores destacam em seus trabalhos o desequilíbrio dos dados disponíveis”.
DISTORÇÃO – Neander destaca que a distribuição desigual das pesquisas pode causar distorções na compreensão do que influencia o número de filhotes. “A relação entre o tamanho dos ninhos e a latitude, por exemplo, não é tão intensa no hemisfério sul”, conta. No primeiro caso, o tamanho das ninhadas chega a sete filhotes e no segundo apenas a quatro. "Além disso, no hemisfério norte as teorias existentes explicam cerca de 49% da variação no tamanho de ninhada, enquanto que no hemisfério Sul, cerca de apenas 13% da variação”.
O tipo de pesquisa realizado por Neander, baseado principalmente em levantamento bibliográfico, é fundamental para compreender a evolução dos estudos sobre o assunto e fazer as correções de rotas necessárias. “São estudos que apontam para lacunas de conhecimento que precisam ser preenchidas”, explica o Miguel Angelo Marini, orientador da pesquisa. “Ainda estamos muito atrasados em estudos básicos sobre as espécies em um cenário onde o avanço da destruição dos habitats é grande”, alerta. A pesquisa de Neander, que está em fase de conclusão, foi co-orientada pelo professor Robert E. Ricklefs, da Universidade de Missouri, Saint Louis, como parte de programa de doutorado sanduíche.