Ganhador do prêmio Nobel de Química em 2016, James Stoddart desenvolveu motores moleculares. UnB também é referência em pesquisas de nanobiotecnologia

Foto: Divulgação UCLA

 

O corpo humano é formado por trilhões de células, que, por sua vez, são compostas por diversas moléculas. Nesse mundo invisível aos olhos, acontecem vários mecanismos, como a queima de glicose pela mitocôndria, capaz de transformar carboidrato em energia. Isso ocorre naturalmente nos organismos dos animais, mas três pesquisadores conseguiram reproduzir esse processo ao desenvolver uma técnica que funciona como um motor molecular. Bernard Feringa, James Fraser Stoddart e Jean-Pierre Sauvage conquistaram o prêmio Nobel de Química em 2016. No próximo dia 9, a Universidade de Brasília receberá a visita do químico James Stoddart, que fará a palestra Máquinas através do tempo.

 

O estudo inovador possibilitou até então algo inédito na ciência: associar moléculas e sintetizá-las em espécies de nanomotores, de modo similar ao funcionamento biológico. O termo nano refere-se a uma grandeza de medida que não pode ser vista a olho nu. Comparando com a escala métrica, é possível ter ideia do que isso significa. Ao se dividir um milímetro em mil partes iguais, tem-se o micrômetro, que por sua vez corresponde a mil nanômetros. Assim, enquanto a célula humana está na escala micrométrica, várias moléculas estão no nível nanométrico.

 

Em geral, as moléculas são ligadas umas às outras por meio de ligações covalentes, mas, em 1983, Sauvage descobriu uma forma diferente de ligá-las, a partir de um íon de cobre. Foi então que, em 1991, Stoddart conseguiu criar um eixo de moléculas capaz de mover um anel molecular em torno dele, com base em distribuição de elétrons e calor. Quase 20 anos depois, Feringa mostrou que era possível criar motores mecânicos usando essa técnica, que permitia a rotação molecular com controle após a aplicação de uma pequena tensão elétrica.

 

O trabalho dos pesquisadores permitiu, portanto, uma nova forma de ligação e articulação de estruturas em nível molecular. No entanto, sendo pesquisa de base, ainda não se sabe quais são as principais implicações científicas e revolucionárias. “Em teoria, pode servir para uma série de aplicações, como para produção de energia, tratamentos de saúde ou nanosensores. O prêmio Nobel é necessariamente dado para pesquisas com forte potencial de impacto para a sociedade no futuro”, explica o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia (PPGNano) da UnB, professor Ricardo Bentes.

 

De acordo com o docente, não é trivial associar moléculas em uma escala nano e fazer funcionar como motor. “Do ponto de vista químico, é muito difícil criar uma espécie de nanoelevador a partir de um aglomerado molecular”, avalia. James Stoddart atua também em outras linhas de nanotecnologia, como na área de desenvolvimento de drogas para tratamento de câncer.

 

REVOLUÇÃO INVISÍVEL – Embora o termo nanotecnologia tenha sido utilizado pela primeira vez em 1973 pelo japonês Norio Taniguchi, o precursor do conceito foi Richard Feynman que abordou o assunto no fim da década de 1960. O boom dos estudos na área demorou mais algumas décadas, só se consolidando entre o fim do século XX e o início do XXI.

Para Ricardo Bentes, a entrega do título de Doutor Honoris Causa ao Nobel James Stoddart demonstra que a UnB reconhece o papel da ciência de base. Foto: Audrey Luíza/Secom UnB

 

Nanotecnologia significa utilizar as propriedades de algum material no tamanho nano para elaborar estruturas mais estáveis, uma vez que os elementos têm características diferenciadas em nanoescala. Ricardo dá o exemplo de uma barra de ouro que só pode ser vista na cor dourada até certa medida. “Em uma fração nanométrica, é possível e provável que a cor se altere quando for colocada em alguma solução, mudando a propriedade fotofísica desse material”, assegura. 

 

Atualmente, a nanotecnologia está presente em nosso dia a dia, seja nos nanochips de celulares, em eletrodomésticos, em cosméticos e até mesmo em medicamentos. Para o professor João Paulo Longo, que também atua no programa de pós-graduação da UnB, a nanotecnologia é um campo interdisciplinar em essência e é utilizada para otimizar a função de alguns materiais.

 

“Recentemente, ela foi incluída no tópico de tecnologias convergentes, ou seja, são aquelas que ultrapassam os limites das ciências tradicionais e fazem realmente a interdisciplinaridade”, informa Longo. Os fenômenos e as descobertas nessa área levam para aplicabilidades em campos muito distintos.

 

NANOBIOTECNOLOGIA A UnB coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiotecnologia, integrado por outras instituições de todas as regiões do Brasil. O instituto aborda a utilização de complexos nanoestruturados construídos a partir do acoplamento de drogas ou biomoléculas para aplicação na saúde humana e veterinária.

 

“Em geral, associamos um material nanoestruturado a um fármaco qualquer, por exemplo, para tratamento de doenças negligenciadas. O objetivo é melhorar a eficácia da droga”, indica Ricardo Bentes. Com isso, tem-se um sistema muito mais seguro e com menos efeitos colaterais. De acordo com o professor, há diferentes tipos de estruturas, como os lipídios, que são altamente biodegradáveis, e os polímeros e as nanopartículas à base de ferro ou ouro. "Algumas substâncias são extremamente tóxicas e não podem ser usadas na nanomedicina," informa

 

No âmbito do PPGNano, atuam pesquisadores de diferentes campos do conhecimento, tais como: Física, Química, Biologia, Medicina e Farmácia. "Quem faz a síntese dos nanomateriais são os farmacêuticos ou químicos, mas são os físicos que caracterizam essa partícula do ponto de vista físico-químico. Já os testes biológicos são realizados por profissionais das Ciências Biológicas e de áreas associadas; a aplicação clínica só pode ser feita pelos médicos", detalha Bentes.

João Paulo Longo acredita que o principal desafio das pesquisas em nanotecnologia está na transferência do conhecimento para o setor produtivo. Foto: Audrey Luíza/Secom UnB

 

Uma pesquisa orientada por João Paulo conseguiu desenvolver um tratamento bem eficaz para infecção fúngica. “Foi um aluno de mestrado, médico, que criou um sistema a partir de uma molécula que absorve luz e a transfere em forma de estresse oxidativo para os fungos, esterilizando a unha”, relata.

 

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Ele esclarece que toda a parte básica da pesquisa foi desenvolvida em laboratório, sendo realizado ainda um estudo pré-clínico de cultura de células, investigação em sistema de animais e posterior prova de conceito: “Conseguimos aprovar um estudo clínico no Comitê de Ética de pesquisas com seres humanos, o que possibilitou comprovar a eficácia deste fármaco. Enquanto no modo convencional se levava no mínimo seis meses, o problema foi resolvido com apenas três sessões desse procedimento”.

 

Para conhecer mais sobre esses e outros estudos, o laboratório Nanobioimage do Instituto de Ciências Biológicas (IB) da UnB divulga, em perfil de uma rede social, imagens de experimentos de pesquisa que utilizam a tecnologia de tomografia computadorizada.

 

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