Última classificação taxonômica das sempre-vivas e chuveirinhos foi há 120 anos. Nova classificação reorganiza agrupamentos de espécies

Caroline Andrino/Arquivo Pessoal

Um grupo de pesquisadores brasileiros liderado pela professora e pesquisadora da Universidade de Brasília Caroline Andrino acaba de publicar artigo científico que propõe uma nova classificação taxonômica para a família das sempre-vivas e do chuveirinho. Essas plantas, cujos nomes populares abrigam diferentes espécies, são abundantes na região Centro-Oeste. O artigo Eriocaulaceae: A new classification system based on morphological evolution and molecular evidence foi publicado na revista Taxon (Qualis A2) em uma data simbólica para a área: 17 de abril - Dia Nacional da Botânica.

"A antiga classificação era problemática, pois muitas espécies bastante diferentes eram agrupadas num único gênero que não tinha uniformidade ou características que permitissem seu reconhecimento. As espécies eram classificadas por exclusão: se não tivessem as características dos outros gêneros, eram colocadas no gênero Paepalanthus, que acabou virando um 'saco de gato'", conta a professora Caroline Andrino. "Para facilitar o trabalho de identificação, nós propusemos novos gêneros que podem ser facilmente reconhecidos pelas suas características, tornando a pesquisa e a comunicação sobre essas espécies muito mais simples", detalha.

Caroline Andrino é professora no Departamento de Botânica da UnB e liderou o grupo de pesquisadores que produziu o artigo. Foto: Arquivo pessoal

 

No novo estudo, os pesquisadores usaram trechos do DNA, juntamente com características morfológicas, para entender a história evolutiva dessas plantas e avaliar se a classificação que era adotada refletia a evolução. O grupo percebeu que a antiga classificação não era adequada, pois dificultava o reconhecimento dos grupos de espécies ao organizá-las em grupos sem parentesco próximo.

Para solucionar o problema, os cientistas propuseram uma nova classificação, com novos gêneros para agrupar espécies com características similares e que compartilham a mesma história evolutiva.

Dessa forma, a família Eriocaulaceae passou de dez gêneros reconhecidos para 18, com oito novos gêneros sendo propostos no estudo. Os nomes fazem referência às morfologias das plantas e também são homenagens a importantes personalidades da cultura e ciência brasileiras. Um dos gêneros, por exemplo, foi batizado em homenagem à poetisa Cora Coralina, nascida no estado de Goiás – centro de diversidade do novo gênero, onde suas espécies são conhecidas por pelo nome popular de chuveirinho.

O gênero Giuliettia, por sua vez, homenageia a botânica Ana Maria Giulietti Harley, que iniciou sua carreira estudando Eriocaulaceae, orientando quatro gerações de especialistas da família e dezenas de botânicos no Brasil. Já o novo gênero Gnomus faz referência ao tamanho das plantas incluídas nesse grupo, que nunca ultrapassam 20 centímetros de altura, sendo que algumas espécies estão entre as menores de toda a família, com apenas um centímetro.

"Com a nova classificação taxonômica, abre-se um novo caminho para futuras pesquisas sobre a evolução dessas plantas", avalia Andrino. Os próximos passos envolvem descrições de espécies ainda desconhecidas pela ciência, além de estudos focados na conservação dessas plantas, já que muitas encontram-se ameaçadas de extinção. A família é também um grupo chave para estudo de vegetações abertas, como o Cerrado, os campos rupestres, campinaranas amazônicas e restingas, importante modelo para avaliar impactos de mudanças climáticas em curso.

RELEVÂNCIA SOCIOCULTURAL – Sempre-viva é o nome popular dado a várias espécies de plantas que, após colhidas e secas, conseguem preservar sua aparência e cor, resistindo ao tempo, daí a origem do nome. As sempre-vivas mais comuns são da família Eriocaulaceae, uma das famílias de plantas mais representativas dos campos rupestres e do Cerrado brasileiro, e um grupo muito diverso de plantas nas Américas. São conhecidas também como pepalanto, pepalanto-gigante, sempre-viva-gigante, chuveirinho e palipalan, entre outras variações.

As sempre-vivas são abundantes na região Centro-Oeste. Foto: Arquivo pessoal

 

As sempre-vivas constituem uma importante economia para populações na região central do Brasil, principalmente em Minas Gerais, onde os apanhadores de flores sempre-vivas possuem reconhecimento internacional como Patrimônio Agrícola Mundial no Brasil, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (ONU-FAO).

Na família das Eriocaulaceae tem, também, grande destaque o capim dourado, importante fonte de renda de populações tradicionais que utilizam a planta para artesanato, reconhecido e comercializado no Brasil e no exterior. Além disso, as Eriocaulaceae compõem um grande cartão postal do Centro-Oeste brasileiro, na Chapada dos Veadeiros, onde formam paisagens de fotografias premiadas mundialmente com o protagonismo dos chuveirinhos.

MARCO TEMPORAL – O Dia Nacional da Botânica, em 17 de abril, remonta à data de nascimento do botânico alemão Carl Friederich Philipp von Martius, que liderou o primeiro grande tratado sobre a flora brasileira, o Flora Brasiliensis. A família Eriocaulaceae, uma das mais representativas dos campos rupestres brasileiros, teve seu último estudo de classificação feito pelo botânico alemão Wilhelm Ruhland, em 1903.

Durante muito tempo, os estudos das plantas brasileiras foram conduzidos por botânicos europeus, muitas vezes utilizando mão de obra escravizada. Como resultado, muitas plantas foram levadas para museus e jardins botânicos da Europa, o que exigiu viajar o mundo para entender melhor a flora brasileira.

"Nas últimas décadas, botânicos brasileiros assumiram o protagonismo na ciência botânica, explorando nossas florestas e savanas e publicando esse conhecimento, como neste estudo liderado por pesquisadores brasileiros. Também tivemos o fortalecimento das instituições científicas nacionais, como museus, universidades e jardins botânicos locais", comemora Caroline Andrino. "Essa abordagem é fundamental para fortalecer a ciência no Brasil, promover políticas de conservação de nossa biodiversidade e formar jovens cientistas para liderar a preservação da nossa flora", completa.

O estudo conta com participação de Fabiane Costa, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), de Marcelo Simon, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Cenargen), de Rafaela Missagia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de Paulo Sano, da Universidade de São Paulo (USP).

 

*com a colaboração de Caroline Andrino.

 

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