O alto nível de transmissão da covid-19 é preocupação constante de cientistas, gestores públicos e população em geral desde o registro dos primeiros casos da doença. Por isso, especialistas têm buscado alternativas que possam minimizar o impacto da doença, enquanto a vacinação em massa ainda não é uma realidade. Neste sentido, pesquisadores da Universidade de Brasília, em parceria com os de outras instituições, investigaram alguns medicamentos que poderiam ser adotados como tratamento alternativo contra covid-19.
Os resultados desta pesquisa estão no artigo DFT, Molecular Docking, and ADME/Tox Screening Investigations of Market-Available Drugs against SARS-CoV-2, publicado no periódico de alto impacto Journal Brazilian Chemical Society, da Sociedade Brasileira de Química. Conduzido por Joabe Araújo, mestrando no Programa de Pós-Graduação em Nanociência e Nanobiotecnologia (PPGNano) da UnB, o estudo aponta que o fármaco atazanavir, antirretroviral indicado para tratamento do HIV, agente causador da aids, pode ter ação contra o Sars-Cov-2.
Isso se dá porque ele atua inibindo a proteína 3CLpro, que é responsável por mediar a replicação e transcrição do vírus. Essa inibição causa a redução da carga viral do novo coronavírus no organismo do paciente infectado, o que pode vir a auxiliar de maneira efetiva em sua recuperação.
Os pesquisadores adotaram métodos da química computacional, com avaliações in silico – feitas por meio de simulação em computador – a partir das técnicas de docking (encaixe, em tradução livre) molecular, em que há interações entre as moléculas de um composto e uma determinada proteína ou enzima alvo. A partir da reação, é possível entender os tipos de interações que devem ocorrer.
Foram utilizados, ainda, cálculos quânticos da teoria do funcional da densidade (DFT) – density functional theory, no original em inglês –, adotada para descrever a estrutura eletrônica da matéria, e avaliadas as propriedades farmacológicas e toxicológicas por predições via software. O fármaco e seus análogos foram analisados matematicamente quanto ao tempo dos processos de absorção, distribuição, metabolização e excreção. "A partir disso, podemos elucidar se o composto possui boas propriedades farmacológicas e alta toxicidade ou não", relata Joabe Araújo.
Nos testes toxicológicos in silico, o atazanavir apresentou resultados negativos para carcinogenicidade – substância ou agente que estimula o aparecimento de carcinomas ou câncer – e mutagenicidade. "No teste de predições das propriedades farmacológicas, o atazanavir atravessou a barreira hematoencefálica [estrutura de permeabilidade que protege o Sistema Nervoso Central], que é inibidora de fármacos no organismo. Mostrou-se, assim, o potencial terapêutico contra a principal proteína da Sars-Cov-2”, pontua.
Outros cinco medicamentos também foram analisados quanto à eficácia no tratamento da infecção pelo novo coronavírus: amantadina (usado em pacientes com parkinson); cloroquina (aplicada no combate à malária); oseltamivir (usado no tratamento e profilaxia da gripe); rimantadina (contra infecções causadas pelo influenzavirus A); e zanamivir (para tratamento e profilaxia da gripe pelos vírus influenza A e B).
“Escolhemos os medicamentos a partir de uma triagem na literatura científica de potenciais drogas candidatas no enfrentamento à covid-19. Destes, selecionamos fármacos que possuem autorização pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Depois, utilizamos o darunavir como controle, pois é o principal inibidor da proteína 3CLpro”, resume o mestrando.
A investigação sobre a ação dos medicamentos foi feita a partir de resultados de interação e afinidade molecular entre os fármacos e a proteína-alvo 3CLpro, por meio do teste de encaixe molecular. Joabe destaca que, em relação a todos os outros fármacos testados pelo grupo, o atazavanir teve maior afinidade molecular para se ligar a proteína em questão, em especial quando comparado ao principal inibidor da 3CLpro, o darunavir.
PARCERIA – Além de cientistas da UnB, instituição líder do projeto, também auxiliaram pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), da Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e do Departamento de Pesquisa de Recursos Naturais do Governo do Canadá (Natural Resources Canada, no original em inglês).
Para Joabe, a Universidade foi crucial na execução do projeto, ao estreitar o vínculo com outras instituições. "A UnB colaborou também para o fortalecimento de relações com instituições de outras unidades federativas, além de construir novas relações internacionais com nosso parceiro canadense, na cidade de Devon, por meio do trabalho com o pesquisador Stanislav R. Stoyanov", afirma.
PERSPECTIVAS – O líder do projeto acredita que os resultados apontam que o atazanavir possui potencial terapêutico contra a covid-19, inibindo a principal proteína mediadora de funções do Sars-Cov-2, a 3CLpro. “Inibi-la diminui a carga viral no organismo do paciente, podendo [o fármaco] não apenas auxiliar de forma efetiva na recuperação [de infectados], mas se tornar um tratamento alternativo contra a covid-19, enquanto o Brasil enfrenta sérios problemas na aquisição de vacinas."
De acordo com o estudo, o tratamento alternativo com o fármaco pode diminuir o número de internações em leitos de UTIs por complicações da doença. Joabe Araújo destaca que ainda serão necessários estudos clínicos para que, de fato, seja comprovada a eficácia do atazanavir frente à covid-19. "A execução desta etapa está sendo discutida, pois estudos clínicos são imprescindíveis para elucidarmos a eficácia do atazanavir nesse âmbito", salienta. Ainda não há previsão de data para início desta fase da pesquisa.
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