Publicada na Nature, pesquisa com contribuição de mais de cem especialistas – um da UnB –, avaliou que 40,7% das espécies estão em risco de extinção

Robin Moore/Re:wild


Os anfíbios são o grupo de animais vertebrados mais ameaçado de extinção no planeta. Dois em cada cinco passaram a correr o risco de desaparecer, mais de 300 espécies estão próximas de deixar de existir, 160 criticamente ameaçadas podem já ter desaparecido e quatro estão extintas. Sapos, salamandras e cecílias são os mais afetados. No Brasil, 189 espécies estão atualmente em situação preocupante, de perigo ou vulneráveis e outras 26 possivelmente foram extintas e já não são vistas desde a década de 1980. Esta é constatação de estudo amplo publicado na revista científica Nature neste mês de outubro.

 

O artigo Ongoing declines for the world’s amphibians in the face of emerging threats – em português, Declínios em andamento para os anfíbios do mundo diante de ameaças emergentes – registra os achados da segunda avaliação global sobre anfíbios produzida pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, da sigla em inglês). Mais de cem especialistas de diferentes países colaboraram no estudo; 86 só do Brasil. Entre eles, o professor do Departamento de Engenharia Florestal (EFL/FT/UnB) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Reuber Brandão.

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Em cooperação internacional, os pesquisadores compilaram informações sobre o risco de extinção de cerca de 8 mil espécies, de 2002 a 2022, para a Lista Vermelha da IUCN, publicada primeiramente em 2004 e agora adotada para monitorar tendências de perda de biodiversidade de anfíbios no mundo. A atualização deste ano inclui mais 2.286 espécies que ainda não haviam sido avaliadas.

Na lista de 2004, o percentual de espécies ameaçadas no mundo era de 39,4%. Hoje, a soma é de 40,7%, abrangendo três continentes: americano, africano e asiático. As espécies estão concentradas em áreas como as lhas das Caraíbas, a Mesoamérica, os Andes Tropicais, as montanhas e florestas do oeste dos Camarões e do leste da Nigéria, Madagáscar, os Ghats Ocidentais, Sri Lanka e a Mata Atlântica brasileira. Dos criticamente ameaçados, 27 entraram no rol nesses 18 anos.

O professor Reuber Brandão, da UnB, é um dos especialistas que colaborou com a avaliação internacional. O docente reuniu dados sobre as ameaças aos anfíbios no Cerrado. Foto: Arquivo pessoal


O relatório indica as alterações climáticas como um dos vilões para a conservação global dos anfíbios nos últimos anos. O fato é ameaça para, ao menos, 39% das espécies levantadas. Para Reuber Brandão, os diferentes perigos a essas populações têm se intensificado. “O que a gente tem observado é que, se na época [da primeira avaliação] a principal fonte de perda de biodiversidade era a perda de hábitat, agora a gente está vendo que a perda de hábitat continua sendo a principal causa, mas ela está sendo ultrapassada pelas mudanças climáticas”, aponta.

Segundo o docente, um dos motivos é a sensibilidade dos anfíbios a essas mudanças, já que possuem pele muito úmida e em constante evaporação, além de temperatura corporal mais baixa. Com a elevação do clima global, a tendência é que a fisiologia do animal seja afetada, mas também que haja mudanças nos ecossistemas onde vivem, com redução dos períodos de estiagem e consequente perda da umidade ambiental necessária à sobrevivência deste grupo, além da propensão a incêndios.

VULNERABILIDADE A DOENÇAS – Entre as espécies de que já não há registros de vida no planeta estão o sapo-arlequim-Chiriquí (Atelopus chiriquiensis), da Costa Rica; a rã-diurna-de-focinho-afiado (Taudactylus acutirostris), da Austrália; a rãzinha Craugastor myllomyllon e a salamandra-de-riacho-falso-Jalpa (Pseudoeurycea exspectata), as duas últimas da Guatemala.

As salamandras, grupo com maior diversidade na América do Norte, são os anfíbios mais ameaçados de todos: três em cada cinco estão em risco de extinção, sobretudo por conta da destruição de seus abrigos. A situação pode se agravar para estes vertebrados caso haja a disseminação de doença mortal, como a Batrachochytrium salamandrivorans (Bsal), já presente na Ásia e na Europa.

Reuber Brandão alerta que as mudanças climáticas facilitam a expansão de novas doenças e, no caso da Bsal, que possui limite de temperatura pouco estreito, favorecem sua disseminação. “As mudanças climáticas permitem que o fungo alcance altitudes maiores, porque essas áreas que antes eram muito frias passaram a ter temperatura boa para esse fungo, mas sem alcançar o máximo de temperatura que o desativa.”

O declínio dos anfíbios também pode estar associado à expansão de doenças com ocorrência em humanos, como a malária, que tem aumentado na América Central. Isso porque estes animais são predadores de seus vetores.

O infográfico acima ilustra as áreas onde está concentrado o maior número de espécies de anfíbios, sendo, conforme a escala, as regiões mais próximas ao amarelo com menos espécies e as mais próximas ao vermelho com maior quantitativo de espécies. Imagem: Reprodução


SEM ABRIGO – Já a destruição e a perda de hábitat devido ao avanço da agricultura e pecuária, da infraestrutura e das indústrias seguem sendo fatores de maior preocupação: 93% das espécies de anfíbios analisadas no estudo são impactadas pela situação.

“À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos hábitats, os anfíbios se tornam reféns do clima por serem incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas”, diz Jennifer Luedtke Swandby, co-coordenadora da Autoridade da Lista Vermelha de Anfíbios da Comissão de Sobrevivência de Espécies da IUCN e uma das principais autoras do estudo.

As medidas de conservação contribuíram para que o sapo da espéciie Raorchestes indigo melhorasse seu status na lista dos ameçados. Foto: Saurabh Sawant


O assunto é também de relevância para o Brasil, país que detém a maior diversidade mundial de anfíbios: são 1.200 espécies, um terço delas avaliadas de forma inédita. O número em situação crítica de ameaça, perigo ou vulnerabilidade no país mais que quintuplicou desde a avaliação de 2004, quando correspondia a apenas 37 espécies.

Segundo Reuber Brandão, por enquanto, os maiores obstáculos para a conservação no país e na América do Sul como um todo não são as mudanças climáticas, mas o avanço das perdas de hábitat. Motivo de atenção entre os pesquisadores, este é o caso, por exemplo, do que ocorre no Cerrado, segundo maior bioma brasileiro em extensão.

“O que mais tem preocupado a gente com relação aos anfíbios do Cerrado é justamente porque, apesar de não estarem numa situação tão séria e tão grave como em outras regiões do planeta, há um processo acelerado de perda de hábitats – a gente vê o Cerrado ano a ano apresentando aumento de taxa de desmatamento –, associado a uma falta de criação de unidades de conservação”, explica o docente, que tem desenvolvido pesquisas na área desde a década de 1990.

“As poucas unidades de conservação que existem no Cerrado estão se tornando ilhas, estão pressionadas por políticas de destruição dessas áreas protegidas, por mudanças de categoria ou por maior permissividade de uso e isso, num futuro próximo, vai causar a perda de biodiversidade nessas áreas”, continua.

PERDA IRREPARÁVEL – Somado a isso, ele aponta outras problemáticas associadas que afligem os anfíbios do Cerrado, como a diminuição e o isolamento das populações, o que interfere em processos de migração, colonização e reprodução, além de fragilizá-las diante do avanço do quadro de mudanças climáticas.

Encontrada no Brasil, a perereca-cabeça-de-casco-Sinimbú é uma das espécies em ameaça crítica avaliada pelos pesquisadores. Foto: Diego José Santana


Reuber comenta que a perda desses indivíduos pode trazer consequências para o meio ambiente como um todo, sobretudo pela importância que têm em processos ambientais. “Esses animais têm diversos serviços ecossistêmicos importantes na dinâmica dos fluxos de cadeias alimentares, no controle de pragas, no provimento de novas substâncias de interesse medicinal e biotecnológico.”

Ele avalia ainda que, a longo prazo, as perspectivas para o bioma não são favoráveis em relação ao aquecimento global. “As previsões climáticas para o Cerrado são muito preocupantes porque envolvem menos chuva e maior temperatura. Menos chuva significa menos água disponível no ambiente, e maior temperatura significa maior evaporação da água e maiores eventos de fogo”, detalha os fenômenos que podem interferir futuramente na perda de biodiversidade dos anfíbios.

POR OUTRO LADO – Apesar dos danos e desafios enfrentados para manutenção da vida dos anfíbios globalmente, o relatório também registra avanços: 120 espécies apresentaram melhorias no status de conservação desde 1980. As ações em favor destes animais contribuíram diretamente para a sobrevivência de 63 espécies – 94% delas em função da proteção e gestão do hábitat.

Foi assim que nove espécies brasileiras, como a perereca-de-Alcatrazes (Ololygon alcatraz) e rã-das-pedras-de-Alcatrazes (Cycloramphus faustoi), encontradas na Ilha de Alcatrazes, no estado de São Paulo, melhoraram sua classificação na Lista Vermelha.

Estes dados vão na contramão da tendência das últimas três décadas, em que 87% das mudanças na classificação quanto à conservação no mundo foram para categoria de maior risco de extinção. Houve também regiões que ampliaram suas áreas protegidas.

"Se a gente não tiver mudanças importantes para conservação dessas áreas e dos hábitats onde os anfíbios estão, a gente deverá perder uma fatia significativa de espécies nas próximas décadas", afirma Reuber Brandão, referindo-se, sobretudo, ao Cerrado, área que estuda e que, segundo ele, é um dos pontos cruciais de conservação da biodiversidade.

 

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