A higiene e o cuidado no preparo de alimentos são primordiais para garantir a qualidade do produto consumido em restaurantes e bares. Mas, se a contaminação que pode vir das cozinhas representa riscos à saúde de clientes de estabelecimentos comerciais, pode ser ainda mais problemática em outros espaços, como os hospitais. Isso em virtude da fragilidade dos consumidores, no caso, pacientes que já apresentam baixa imunidade e estão mais suscetíveis a infecções. Apesar dos perigos, não há lei que obrigue os hospitais a usar normas de segurança alimentar previstas para outros estabelecimentos de alimentação.
O fato chamou a atenção do médico veterinário especializado em Controle de Qualidade e Tecnologia de Alimentos Manoel Silva Neto. Em sua dissertação de mestrado em Nutrição Humana pela Universidade de Brasília (UnB), defendida em setembro de 2006, Neto avaliou as cozinhas de 18 hospitais públicos e particulares do Distrito Federal entre os meses de janeiro e fevereiro do mesmo ano. Chegou a um resultado que pode surpreender muita gente: quando a questão é alimentação, a rede pública oferece melhores condições para o paciente.
O pesquisador verificava, em primeiro lugar, se a unidade havia implementado o Manual de Boas Práticas de Fabricação, previsto para estabelecimentos de produção de alimentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo Neto, 13 hospitais (72%) disseram ter o manual, mas somente 11 (61%) realmente o implementaram. “Como não há uma regulamentação, o Estado não tem como cobrar que os hospitais sigam essas orientações. Vai da responsabilidade de cada um”, destaca Neto. O especialista analisou ainda os locais com base nos Procedimentos Operacionais Padronizados (POP, também da Anvisa) e na Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – Senai).
Entre os sete estabelecimentos públicos avaliados, apenas um apresentou menos de 75% dos itens de avaliação em conformidade com o Manual de Boas Práticas. No caso dos privados, somente três dos 11 analisados tiveram um bom resultado, com mais de três quartos dos itens em conformidade com o manual. O pesquisador acredita que o bom desempenho da rede pública se deve à terceirização dos serviços alimentares nesses hospitais. “Como uma empresa é paga especificamente para cuidar desta área, pode-se exigir um melhor desempenho dos funcionários”, afirma Neto. Segundo ele, o fato de haver uma verba reservada para essa atividade também garante que a alimentação não seja relegada a segundo plano diante de outras demandas do hospital.
PERIGOS – São vários os riscos que a comida pode trazer ao consumidor:
Perigos biológicos – provocados por bactérias, vírus, fungos ou parasitas;
Físicos – presença de materiais como pedaços de plástico, vidro, metais e madeira;
Químicos – contato com desinfetantes, detergentes ou agrotóxicos.
Mas a maior causa de doenças é a multiplicação rápida dos microorganismos em determinadas condições. “O monitoramento do tempo e da temperatura é muito importante para evitar contaminações. Mas só metade dos hospitais fazia o controle de temperatura dos alimentos na armazenagem, no preparo ou na distribuição”, lembra.
Em metade das cozinhas, foi encontrada uma rede de frio (equipamentos de conservação, tais como refrigeradores e freezers) adequada. Além disso, em nove delas, não havia manutenção preventiva nem calibração do maquinário de conservação dos alimentos. Planilhas de registro de temperatura devidamente preenchidas e em local adequado para verificação também só foram vistas em nove unidades.
DESLEIXO – Onze cozinhas não apresentavam controle na recepção da matéria-prima, dos ingredientes e das embalagens. “Produtos como carne, verduras e frutas devem ser inspecionados assim que chegam para que se verifiquem a qualidade do transporte e a temperatura nas quais foram mantidos”, ressalta. Sete unidades não monitoravam a qualidade final da comida e só oito apresentavam fluxo ordenado da produção. Isso significa que havia cruzamento entre a área suja, onde os alimentos ainda não estão prontos para consumo, e a área limpa, onde os alimentos já estão prontos para consumo. Conseqüentemente, há riscos de contaminação cruzada. De acordo com o especialista, todas essas etapas são necessárias. Uma preparação linear do alimento, com espaço determinado para descascar, lavar e cozinhar, por exemplo, evita a contaminação do produto final.
A falta de preocupação com a higiene foi verificada, em muitos locais, entre os próprios manipuladores. Em cinco hospitais, os funcionários que trabalhavam na cozinha não usavam uniforme. Apenas oito tinham lavatórios para as mãos na área de produção do alimento e metade das unidades não tinha cartazes de orientação para lavar mãos. “O manipulador é um potencial veiculador de doenças. É por ele que os cuidados devem começar”, afirma Neto.
INSTALAÇÕES – Foram observadas ainda inadequações nos materiais e acabamentos dos pisos, possibilitando o acúmulo de água e dificultando a limpeza. Em cinco cozinhas, os tetos estavam mal conservados, com presença de infiltrações e mofo. Janelas e outras aberturas em seis unidades estavam mal conservadas e não tinham telas. “As janelas são uma porta de entrada para vetores e pragas, pondo em risco a inocuidade do alimento”, alerta. O especialista ainda destacou o fato de 13 unidades não terem luminárias com proteção. “A grade previne que uma lâmpada caia e espalhe estilhaços de vidro sobre a comida. Não ter essa proteção representa um grande risco, principalmente em um hospital”, completa.
RESULTADOS - Com base no Manual de Boas Práticas de Fabricação, regulamentado pela Resolução da Anvisa nº 275, de outubro de 2002, Manoel avaliou as cozinhas de 18 hospitais do Distrito Federal. Confira os resultados.
Dentre as unidades avaliadas, 13 possuíam o manual, mas somente 11 delas realmente o implementaram;
As cozinhas de hospitais públicos apresentaram resultado melhor do que as de estabelecimentos privados. Enquanto a média de conformidade com o manual foi de 85,9% na rede pública, ela não passou dos 66,5% nos hospitais privados;
Dos sete hospitais públicos avaliados, apenas um tinha menos de 75% dos itens de avaliação em conformidade com a legislação. Entre os 11 privados, somente três tiveram mais de 75% de conformidade.
Avaliação específica:
Edificações e Instalações nas Áreas Externas e Internas
Em seis cozinhas (33,3%), o estado do piso não era adequado. Seis delas também apresentavam má conservação de portas e janelas; - O teto de cinco unidades (27,8%) estava fora da conformidade.
Produção e Transporte do Alimento
Somente 50% das cozinhas realizavam controle de temperatura dos alimentos no armazenamento, no preparo ou na distribuição;
Apenas sete (38,9%) controlavam a recepção da matéria-prima, ingredientes e embalagens;
Somente a metade apresentava a rede de frio adequada;
Sete delas (38,9%) não controlavam a temperatura do alimento pronto. A mesma quantidade não apresentava controle da qualidade final;
Apenas oito (44,4%) tinham o fluxo de produção ordenado.
Equipamentos, móveis e utensílios
Somente a metade das cozinhas (50%) apresentou planilhas de registro de temperatura devidamente preenchidas e em local adequado para verificação;
O mesmo índice (50%) não tinha manutenção preventiva e calibração dos equipamentos de conservação dos alimentos.
Iluminação, Ventilação, Higienização das Instalações, Controle de Pragas, Abastecimento de Água
Apenas cinco (27,7%) tinham proteção nas luminárias;
Seis (33,3%) apresentavam problemas nas instalações elétricas;
Somente uma (5,5%) tinha registro de higienização das instalações;
Oito (44,4%) não tinham medidas de prevenção de vetores;
Apenas seis (33,3%) trocavam o filtro de água.
Manipuladores
Apenas oito cozinhas (44,4%) tinham lavatórios na área de produção do alimento;
Metade das unidades não tinham cartazes de orientação para lavar mãos;
Em cinco hospitais (27,7%), os manipuladores não possuíam uniforme.