A cirurgia bariátrica, mais conhecida tecnicamente como gastroplastia redutora em Y de Roux ou bypass gástrico, é considerada atualmente o método com melhores resultados para tratamento da obesidade mórbida, problema que hoje acomete cerca de sete milhões de brasileiros. Ainda que as vantagens sejam grandes, é recorrente o reganho de algum peso em pessoas que passam pelo procedimento. No entanto, um trabalho de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Nutrição Humana da Universidade de Brasília mostra que pacientes que realizaram a cirurgia bariátrica e tiveram recidiva de peso em longo prazo podem ter como uma das estratégias de tratamento a adesão a dietas hipoenergéticas e hiperproteicas – com baixa energia e maior proporção de proteínas.
A nutricionista e pesquisadora Daniela Lopes Gomes propôs um protocolo nutricional para pacientes que, dois anos depois de realizada a cirurgia, tiveram retorno de pelo menos 5% do peso total perdido com a redução de estômago. A estratégia se baseou na análise dos efeitos metabólicos e nutricionais em pessoas que fizeram uso da suplementação proteica com soro de leite. O estudo acompanhou, durante quatro meses, 24 mulheres operadas nos serviços multidisciplinares de cirurgia bariátrica do Hospital Universitário de Brasília (HUB) e no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). A pesquisa, financiada pelo CNPq e pelo Hospital das Clínicas de Porto Alegre, recebeu menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2016.
Além dos benefícios de uma dieta restrita em alimentos com grande quantidade de energia, Daniela verificou que o uso adequado de suplementação proteica pode contribuir para a redução da massa gorda e a preservação da massa livre de gordura em pacientes pós-cirúrgicos, o que resulta na perda de peso para aqueles que recuperaram. “Ainda não existe um protocolo dietoterápico para tratar o reganho de peso. Dietas muito restritivas são de difícil adesão e, muitas vezes, estão associadas à compulsão alimentar após determinado período”, avalia.
Segundo a pesquisadora, a gastroplastia redutora em Y de Roux, além de diminuir a capacidade gástrica para o consumo de alimentos, reduz a absorção de nutrientes e modula, em curto prazo, hormônios ligados ao controle do apetite e saciedade. Entretanto, o procedimento, recomendado para pessoas com obesidade mórbida que apresentam resistência a tratamentos clínicos convencionais para emagrecimento, também pode trazer alguns agravos. Entre eles, o retorno parcial do peso – comum principalmente dois anos após a intervenção –, a deficiência de nutrientes no organismo e o reaparecimento de doenças associadas à obesidade, como hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia.
“Apesar dos benefícios da cirurgia bariátrica na perda de peso e no controle de comorbidades, tem-se verificado que ocorre reganho de peso após o procedimento, o que dificulta a manutenção das melhoras alcançadas em longo prazo”, afirma Daniela. Os motivos por trás disso ainda estão sendo investigados, mas em parte estão relacionados às dificuldades dos pacientes de realizar mudanças em seus estilos de vida, o que inclui o abandono do sedentarismo e a adoção de uma alimentação saudável em longo prazo, com alta ingestão de proteínas.
Além disso, alguns estudos apontam para alterações na composição corporal com a cirurgia, como a perda de massa livre de gordura, o que influenciaria na diminuição do gasto energético de repouso, ou seja, da energia despendida em atividades essenciais para manutenção das funções corporais. Esses fatores acarretariam no déficit na eficiência energética e contribuiriam para o reganho de peso.
EXPERIMENTO – Durante quatro meses foram avaliadas as alterações metabólicas em dois grupos de pacientes: um composto por mulheres que seguiram dieta hipoenergética e com quantidade normal de proteínas, e outro o qual, além de dieta restrita em energia, foi orientado a empregar alimentação hiperproteica, com suplementação da proteína do soro do leite, consumida em três refeições diárias. “Optou-se por estudar apenas mulheres, porque elas representam a maioria dos que procuram o serviço público para realização de cirurgia bariátrica no Brasil, além das diferenças quanto à composição corporal e outros fatores metabólicos entre os sexos, o que dificultaria comparações”, explica Daniela.
Uma série de exames foi realizada com as participantes para obtenção dos dados nutricionais, como massa corpórea, gasto energético de repouso, composição corporal, dosagem sanguínea de colesterol e glicose total e por frações, hormônios e marcadores inflamatórios – variável utilizada para medir estado fisiopatológico ou para acompanhamento do progresso do paciente durante o tratamento –, ingestão energética e proteica diária, além de avaliação das práticas de atividade física. Foi detectado que mais de 70% delas eram sedentárias, fator que contribui de forma significativa para a ocorrência do reganho de peso.
CONTRIBUIÇÕES – Um dos resultados do estudo mostra que o consumo médio de proteína dietética por refeição em pacientes que não aderiram à suplementação após a cirurgia estava abaixo do recomendado – o valor indicado varia de 60 a 120 gramas por dia. Por outro lado, houve melhora do colesterol total e do mau colesterol (LDL) em todas as integrantes do experimento, ocasionada pelo consumo de alimentos menos energéticos.
Além disso, a pesquisadora verificou que as pacientes que receberam dieta com a proteína do soro do leite apresentaram maior perda de peso, associada à redução de massa gorda. As análises apontaram ainda para a preservação da massa livre de gordura, sem alteração no gasto energético de repouso, no grupo que obteve a suplementação.
Isso porque, segundo Daniela, há uma associação positiva entre as duas variáveis. “Preservar a massa livre de gordura em pacientes bariátricos parece ser fundamental para manter o gasto energético de repouso e evitar o reganho de peso, pois preserva um gasto satisfatório”, avalia.
Os efeitos positivos reafirmam o papel do consumo de proteínas na melhoria do metabolismo desses pacientes. “Dietas com restrição de calorias, menor proporção de carboidratos e maior proporção de proteínas, bem como gorduras de boa qualidade têm mostrado bons resultados”, conclui Daniela.