Que fatores influenciam o pós-operatório de alguém que passou por cirurgia bariátrica? A maneira com que se alimenta? Os ingredientes e as comidas que ingere? Os suplementos que toma? Ou as atividades físicas, que pratica ou deixa de praticar? Esses e outros questionamentos fazem parte de um estudo desenvolvido atualmente pelo grupo de Pesquisa em Nutrição e Saúde do Programa de Pós-Graduação de Nutrição Humana (Pensa/PPGNH/NUT/FS) da UnB, que considera o contexto de vida de cada paciente para chegar a uma conclusão e aí sugerir intervenções.
Voltado para adultos com idade entre 19 e 59 anos que tenham passado por cirurgia bariátrica entre 2016 e 2021 e estejam sedentários e sem acompanhamento nutricional há pelo menos três meses, o ensaio clínico Nutrição e Exercício Resistido Online (Neron) oferece olhar atento e suporte cuidadoso. O objetivo é identificar soluções viáveis que levem o bem-estar físico e emocional a esse público.
“Observamos em um projeto anterior um transtorno alimentar característico das pessoas que realizam cirurgia bariátrica, que é como um beliscar que acaba tendo uma repercussão grande em termos de valor energético, porque a pessoa não percebe que está comendo o dia inteiro”, conta a doutoranda Maísa Araújo, uma das responsáveis pelo ensaio clínico, que conta ainda com outras duas doutorandas, duas mestrandas e seis graduandos do curso de Nutrição da UnB, além de três docentes.
“Os estudos mostram que esse público tem um comportamento alimentar mais disfuncional. Então, baseados na diretriz da dieta cardioprotetora brasileira, elaborada pelo Ministério da Saúde, pegamos esse material e adaptamos para as sessões de nutrição com uma abordagem mais comportamental, focada na promoção de uma relação mais saudável com a comida e com o próprio corpo”, pontua Maísa.
Durante a participação no projeto, todos os voluntários terão avaliação completa de exame de sangue, composição corporal e gasto calórico, além de densitometria óssea e avaliação endocrinológica e nutricional.
Também terão a oportunidade de assistir a 14 vídeos gravados sobre temas como sensação de fome e saciedade relacionadas ao local que estamos e sentimentos, diferença entre os tipos de fome: fisiológica, vontade de comer, fome social e emocional e consequências de dietas restritivas e como fazer as pazes com a comida. Também há algumas sessões síncronas, que são quando o grupo se encontra virtualmente para tirar dúvidas, colocar questões pessoais e debater temas.
COMO FUNCIONA – Ao aderirem ao projeto, os voluntários serão divididos em dois grupos: um que terá desde o início a intervenção multicomponente, que aborda a alimentação, o exercício físico e o comportamento do paciente; e o outro, chamado de grupo controle, que não terá intervenções durante as 13 semanas do ensaio clínico, mas terá todos os benefícios ao final do estudo.
“Esse segundo grupo a gente chama de lista de espera”, explica a professora coordenadora da pesquisa, Kênia Baiocchi. “Terminando o estudo, vamos oferecer para eles a mesma coisa do primeiro grupo, só que não vamos registrar os resultados. É só para terem esse benefício da intervenção.”
Desirée Honfi, que completa 41 anos neste mês de outubro, participa da primeira leva de voluntários do ensaio clínico. Ela passou pela cirurgia bariátrica há três anos e chegou a reduzir seu peso de 162Kg para 84Kg.
“Mas há um ano e meio perdi meu plano médico e fiquei sem acompanhamento, e, para minha tristeza, estou pesando 105Kg”, conta a voluntária.
“Sempre tive problema com a alimentação, com compulsão alimentar e com ansiedade. Então, isso me prejudicou bastante e me prejudica até hoje. Fui ao posto de saúde ano passado e o médico disse que ia me encaminhar para nutricionista, endócrino e psiquiatra, porém até hoje estou esperando esse encaminhamento, que nunca saiu”, desabafa Desirée.
Ao saber do projeto por uma conhecida, o que chamou mais sua atenção foi que teria direito aos exames clínicos para um check-up na saúde. Mas ela se surpreendeu com as aulas virtuais de exercício físico - cada voluntário recebe no início um kit com colchonete e halteres para realizarem os treinos, e uma caderneta para as sessões de nutrição.
“Para ser bem sincera, eu tinha um certo preconceito com aulas on-line, mas eles dão um incentivo muito bom para a gente, que anima e torna mais fácil”, avalia a voluntária. “O mais legal é que eles sempre estão dispostos a ajudar. Caso haja alguma dúvida, sempre esclarecem pra nós e se houver algum imprevisto que não possamos assistir a aula no dia, eles nos mandam o link para que possamos repor.”
Pedro Vitor Duarte é um dos graduandos de Nutrição que participam do projeto como facilitadores. Ele entrou como aluno de iniciação científica e, após apresentar seu trabalho, decidiu permanecer na pesquisa.
“Está sendo uma experiência enriquecedora pra mim, só de estar no meio dos mestrandos e doutorandos, entendendo como funciona o ensaio clínico, o que é um projeto em que a gente tem o cuidado com o público que vai estar como voluntário, e tem toda uma questão de comitê de ética e de parecer... então está sendo uma experiência incrível de como se comportar diante do público”, afirma o estudante.
Pedro considera ponto alto do projeto lidar com o público em pós-operatório de cirurgia bariátrica, que, segundo ele, é muito específico e bastante participativo a fim de mudar o estilo de vida. E, entre os principais desafios, ele elenca o tamanho do projeto e a complexidade das informações coletadas.
"São vários dados e variáveis com que a gente trabalha com o mínimo de interferência possível para que o estudo seja validado, para que realmente tudo o que estamos fazendo dentro do projeto traga resultados positivos e relevantes para outros estudos no futuro e pra ficar para a população”, almeja o graduando.
Uma das mestrandas do projeto, Jane Almeida veio de Cuiabá para fazer residência multiprofissional em Brasília e acabou se interessando pela pesquisa. Ela se juntou ao grupo no último mês de agosto e desde então está maravilhada com a iniciativa.
“É um enfoque diferente do que eu estava acostumada, da parte clínica mais intra-hospitalar. Me encantei também com a parte de trabalhar com os pacientes, que eu gosto... a parte de nutrição clínica, que avalia a intervenção nutricional, exames, bioquímicos, composição corporal e tem muita coisa que não vemos na parte prática de hospital, que é ver com exatidão a composição, o gasto energético. Vemos os resultados do nosso trabalho com mais precisão”, resume a pós-graduanda.
Para a professora Kênia Baiocchi, esta interação entre estudantes de diferentes níveis acadêmicos é muito positiva e frutífera.
“É muito interessante os alunos de graduação participarem desse protocolo porque, embora o objeto de estudo deles seja mais simples e não tenha um aprofundamento em termos de perguntas de pesquisa ou algo muito inédito, eles participam da intervenção, do chamamento dos pacientes, da entrevista de anamnese alimentar. Então, mesmo que não apliquem quase nada nos estudos deles, aprendem a investigar, veem como é uma metodologia científica”, ressalta a docente.
INSCRIÇÃO – Quem fizer parte do público-alvo do projeto e desejar participar como voluntário pode entrar em contato com a equipe de pesquisadores por meio do perfil do Instagram @projetoneron.unb, do endereço eletrônico Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou do telefone/WhatsApp 61 99938 0109.