Conhecida como cidade parque, Brasília conta com regiões arborizadas que atraem muitas pessoas. Não seria diferente com os animais, principalmente aves, que são vistas em abundância nas paisagens da capital. O interesse por espécies aviárias nos espaços livres da área urbana brasiliense incentivou a pesquisadora Mayara Guimarães, egressa do Mestrado em Ciências Ambientais na Faculdade UnB Planaltina (FUP), a elaborar dissertação sobre o tema.
A bióloga dedicou-se a identificar e caracterizar a comunidade de aves presente no Eixão – como é conhecido o Eixo Rodoviário do Plano Piloto –, além de investigar como a arborização e os níveis de ruído ao longo da área verde da via impactam a abundância e a variedade de espécies que ali se encontram. Intitulado A influência da arborização urbana e do ruído sobre a avifauna do Plano Piloto de Brasília, o trabalho de Mayara surpreendeu pesquisadores da área, uma vez que não se sabia da existência de uma diversidade tão grande de espécies aviárias na região.
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Foram identificados 2.027 indivíduos, distribuídos em 86 espécies de aves pertencentes a 36 famílias que habitam o Eixão. Segundo a pesquisa, o quantitativo encontrado se deve tanto pela arborização quanto pelos níveis de ruído, que não são tão elevados na área. Ainda sobre as observações, o trabalho mostrou que, no período estudado, as aves passaram a pousar em locais com maior abundância de árvores. As quadras 213 Sul, 112 Norte e 215 Norte apresentaram maior concentração de árvores e maior número de aves.
Apesar de a urbanização afetar de maneira negativa flora e fauna locais, as aves podem usar as cidades como um refúgio, além de desempenhar funções ambientais no meio urbano. Elas têm importante papel no controle de vetores de doenças, na polinização de plantas e no equilíbrio ecológico.
Em sua dissertação, Mayara Guimarães diz que a arborização metropolitana influencia de forma positiva na presença de espécies de aves em áreas urbanas. “Nesse cenário, Brasília é uma cidade parque, onde existem longos corredores formados por avenidas e ruas arborizadas. Um exemplo é o Eixo Rodoviário do Plano Piloto de Brasília (Eixão), via de 14 km de extensão, que conecta as porções norte e sul da cidade, compondo um grande corredor verde”, escreve a autora.
CONTRIBUIÇÕES – A amostragem de aves foi obtida pelo método de ponto fixo, técnica em que o pesquisador estaciona em pontos aleatórios ou pré-definidos e faz a coleta dos dados por meio de observação. “A seleção dos pontos [de estudo] foi gerada com o auxílio do aplicativo Google Earth, com distribuição em formato de zigue-zague, para representar a variação da vegetação e das estruturas construídas presentes nos canteiros que ladeiam o Eixo Rodoviário do Plano Piloto de Brasília”, detalha a pesquisadora em sua tese.
Foram selecionados 32 pontos fixos de amostragem, com ruído elevado e ruído reduzido, divididos entre Asa Sul e Asa Norte, sendo 16 pontos em cada uma dessas áreas. A coleta de dados ocorreu ao longo de 12 meses, entre setembro de 2018 e setembro de 2019. Cada ponto foi visitado seis vezes, totalizando 348 visitas aos locais fixos.
Com os dados obtidos por observação, foi possível calcular, além de riqueza, abundância e diversidade das aves, aspectos como pousos no chão e em árvore, forrageamento – busca por recursos alimentares – e nidificação – construção de ninhos. O estudo também chegou à conclusão de que níveis de ruídos reduzidos são cruciais para determinar a presença de aves no meio urbano.
“Quando o ambiente estava mais silencioso e com menor tráfego de veículos, o número de espécies e de aves dobrou na área amostrada do Plano Piloto. Isso representa um ganho extraordinário de diversidade”, destaca Rodrigo Corrêa, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) e orientador da dissertação.
As 86 espécies identificadas por Mayara representam cerca de um terço da avifauna do Distrito Federal. Com os resultados da pesquisa, é possível fazer recomendações, aos órgãos de gestão ambiental, de plantas a serem usadas na arborização da cidade, uma vez que o uso de certas espécies pode aumentar a capacidade de suporte à fauna de aves.
Em uma linha semelhante ao trabalho desenvolvido por Mayara, João Carlos Pena, coorientador da dissertação e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicou o artigo Street trees reduce the negative effects of urbanization on birds (Árvores de rua reduzem os efeitos negativos da urbanização sobre os pássaros, em tradução livre). Nele, o pesquisador avalia a influência da vegetação urbana, características da paisagem e impactos humanos na comunidade de aves que habita a cidade de Belo Horizonte (MG).
PANDEMIA – Apesar da dissertação de Mayara ter sido desenvolvida em período anterior à pandemia de covid-19, a pesquisadora e seu orientador também avaliaram posteriormente os impactos da crise sanitária na presença de aves na cidade. A prática do isolamento social, como forma de mitigar a disseminação da doença, fez com que a circulação de pedestres e de veículos em Brasília diminuísse. Como consequência, as ruas ficaram mais silenciosas.
Para Rodrigo Corrêa, foi uma surpresa que animais nunca vistos antes em áreas urbanas tenham invadido as cidades. Segundo ele, os espaços urbanos vazios tornaram-se mais uma opção de habitat para a fauna. “Nesse processo, vieram também as aves, que se sentiram mais à vontade nos locais em que houve a redução da presença humana e de veículos. Araras, papagaios e gaviões, por exemplo, começaram a ser avistados nas áreas urbanas”, afirma o docente.