Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências busca despertar o interesse de professores em atividades didáticas acessíveis

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Em todo o mundo, desde a implantação de medidas de isolamento social pelos governos para conter a pandemia do novo coronavírus, as escolas tiveram de se adaptar a uma nova concepção de ensino. A suspensão das aulas presenciais mudou a rotina de estudantes e professores, que passaram a utilizar aulas on-line, materiais digitais e vídeos como estratégia para continuarem os estudos.

 

Se no ensino presencial, a inclusão e a acessibilidade já eram desafios diários, o formato remoto impôs ainda mais adversidades e dilemas práticos. Os professores têm a missão de adaptar as aulas, tornando-as atrativas e acessíveis a todos os alunos, em busca de romper as limitações e atender a realidades distintas.

 

Nesse contexto, uma pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (PPGEduC) da UnB resultou na realização do curso Construindo Atividades Pedagógicas Inclusivas no Sistema Dosvox. Organizada pelo pós-graduando e professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) Wesley da Silva, a capacitação integra a tese que está sendo desenvolvida na linha de pesquisa sobre formação de professores, especificamente na perspectiva inclusiva.

 

“O curso foi um momento de pesquisa, realizado como um estudo piloto da tese intitulada Sistema Dosvox e Inclusão: o pensamento crítico na formação docente”, informa. Aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais da Universidade, a proposta central foi apresentar ferramenta computacional para auxiliar o professor na construção de atividades pedagógicas inclusivas.

 

Tais atividades podem ser realizadas com todos os estudantes, independente de sua especificidade ou deficiência. Como foi ofertada no auge da crise sanitária provocada pela covid-19, a formação coincidiu com a retomada das aulas das redes pública e privada do Distrito Federal e Entorno no ensino remoto emergencial.

 

Devido à dificuldade de produção de textos em braille, recursos de acessibilidade como o Dosvox facilitam a elaboração de atividades inclusivas. Desenvolvido na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1993, o sistema Dosvox é gratuito e torna acessível o uso do computador para pessoas com deficiência visual. “Todas as ações que nós enxergamos e realizamos no computador por meio da visão, o Dosvox torna acessível por meio da síntese de voz”, explica Wesley da Silva. “Hoje, no momento pandêmico em que vivemos, utilizar materiais impressos no sistema de escrita tátil para serem distribuídos aos estudantes com deficiência visual pode ser um risco à saúde”, completa o doutorando.

“Inclusão é um princípio, um caminho que não tem volta”, defende Gerson Mól, professor do IQ o orientador de Wesley. Foto: Arquivo pessoal

 

O trabalho é orientado pelo professor do Instituto de Química (IQ) Gerson Mól, ligado a inovações em ensino e aprendizagem e atual presidente da Sociedade Brasileira de Ensino de Química. Na opinião de Mól, o curso oferece aos docentes ferramentas para a criação de aulas mais lúdicas, “numa perspectiva que seja mais atrativa para os alunos, pois a maioria dos jogos disponíveis não são acessíveis, sendo focados no visual”.

 

JOGAVOX – O programa apresentado pelo doutorando no curso foi o Jogavox, que integra o sistema operacional Dosvox. Também criado na UFRJ, o Jogavox possibilita a construção de atividades educativas inclusivas em forma de jogo. A proposta desse aplicativo é que o professor tenha autonomia para construir seus exercícios pedagógicos, uma vez que a interface oferece simplicidade operacional se comparado a outros softwares com o mesmo fim.

 

Embora o Dosvox e suas aplicações tenham sido idealizadas para o uso por pessoas com deficiência visual, o professor da SEEDF acredita que o sistema é uma ferramenta pedagógica que pode ser empregada com todos os estudantes. “Imagine o professor com um aluno com dificuldade de leitura: ele vai poder utilizar as aplicações existentes para a realização da leitura ao aprendiz no momento em que esteja apresentando esse problema”, exemplifica Silva.

 

DEMANDA – Tendo como público-alvo os professores da educação básica, as 40 vagas ofertadas inicialmente pelo Sistema de Extensão (Siex) da UnB esgotaram-se em menos de 48 horas. Com isso, foram ofertadas mais dez vagas. “A maioria [do público] era formada por professores da rede pública de ensino, mas também tivemos estudantes de diversas licenciaturas da UnB, além de assistentes sociais e monitores da educação especial”, afirma Wesley da Silva. Dos participantes, 12 têm formação na pós-graduação, sendo dez com mestrado e dois com doutorado.

 

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“Vale destacar que tivemos três pessoas com deficiência visual e uma com deficiência intelectual. Uma delas atualmente é estudante de doutorado da UnB e ingressou no curso buscando uma formação sobre o Dosvox”, diz o pesquisador Wesley da Silva. 

Além das atividades na plataforma, também foram organizados encontros síncronos entre os participantes. Imagem: Reprodução

 

Os materiais pedagógicos foram disponibilizados no Google Sala de Aula, ambiente virtual gratuito de aprendizagem de uso recorrente e familiar pelos professores. Vídeos foram elaborados especificamente para o curso e os exercícios pensados com base no contexto do professor.

 

Cada participante desenvolveu pelo menos três atividades pedagógicas inclusivas. O encontro foi realizado em parceria com Fernando Rodrigues, professor da SEEDF com deficiência visual, e com as estudantes de licenciatura em Química Nicole Porto, Vitória Magalhães e Yasmim Lobão, que atuaram como monitoras.

 

AVALIAÇÃO – Os organizadores consideram que a capacitação foi positiva, especialmente por ter possibilitado que diversos profissionais da educação, que nunca haviam estudado programação computacional, conseguissem construir atividades pedagógicas inclusivas a partir de uma programação acessível.

 

“Recebi relatos de que as atividades estavam sendo aplicadas no ambiente da sala de aula, ou melhor, no contexto do ensino remoto. Eles criaram estratégias a partir dos conceitos de suas disciplinas”, detalha Silva. Ao todo, foram elaboradas 39 atividades pedagógicas inclusivas abordando conceitos do currículo da educação básica, sobretudo no ensino de Ciências e de Música.

 

Uma delas, por exemplo, propõe que o estudante conheça a região administrativa de Brazlândia, no DF, escolhendo caminhos ao percorrer pontos turísticos do local. Na atividade foram utilizados diversos elementos relacionados à gamificação. A prática consiste no uso de recursos e dinâmicas nos jogos para engajar pessoas, resolver problemas e melhorar o aprendizado, motivando ações e comportamentos em ambientes para além do contexto dos games.

 

Outra atividade que permite a interação entre estudantes com e sem deficiência é sobre a tabela periódica, apresentada em áudio para os estudantes com deficiência visual, e também contém imagens e vídeos para os estudantes sem deficiência.

Para o doutorando Wesley da Silva, a acessibilidade educacional demanda recursos que a maioria das escolas não possui. Ele acredita que a formação permanente de professores é caminho para garantir a promoção de atividades inclusivas nas escolas. Foto: Arquivo pessoal

 

PERSPECTIVAS – A pesquisa de doutorado está na fase de análise dos dados e a previsão de defesa é novembro de 2021. A investigação já traz alguns apontamentos, como a importância de vincular o contexto à formação permanente do professor, de modo a valorizar o aprendizado para a melhoria da prática em sala de aula.

 

O pós-graduando assegura que a formação permanente dos professores é uma forma de fazer as práticas inclusivas serem adotadas nas escolas. “Ao proporcionar para o professor uma ideia sobre o cotidiano da pessoa com deficiência visual, o nosso curso pode direcionar para uma mudança de paradigma quando esse profissional tiver que lidar com estudantes que tenham essa especificidade.”

 

Ele observa ainda que é preciso pensar em acessibilidade de forma ampla, como uma rede de apoio, e que a realidade socioeconômica do país impõe diversas dificuldades à educação inclusiva. “De uma forma direta, a legislação tem obrigado as instituições a se tornarem acessíveis e a escola está nesse conjunto. Mas a falta de investimento tem dificultado a implementação dos recursos”, lamenta.

 

“Historicamente, as pessoas com deficiência foram discriminadas e marginalizadas porque eram consideradas incapazes. As escolas, os professores e a sociedade não queriam se dar ao trabalho de fazer algo diferente por elas”, complementa Gerson Mól.

 

Por ser um percurso permanente, o docente acredita que o aprendizado é a chave para a inclusão e entende que, atualmente, a maioria das pessoas compartilha da ideia que educação é para todos. “A escola tem se preparado, mas não no ritmo que gostaríamos. É preciso estudo e dedicação para aprender como fazer e o professor tem que estar disposto ao novo”, ressalta. 

 

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