De sabor incisivo e aroma marcante, o pequi, fruto-símbolo do Cerrado, constitui uma significativa fonte de renda para milhares de agricultores brasileiros. Ao constatar esse cenário, a pesquisadora Sandra Regina Afonso investigou as políticas públicas de incentivo à cadeia produtiva do pequi no norte de Minas Gerais, um dos principais pólos extrativistas do país. Em sua tese de doutorado, recentemente defendida, a agrônoma de formação, também pós-graduada em Ciência Florestal, realizou não apenas um diagnóstico das políticas, planos e programas de estímulo à atividade como deixou diversas recomendações para o aprimoramento produtivo do setor.
Em sua tese, além de demonstrar como o bioma do cerrado vem sendo ameaçado pelas políticas de incentivo à agropecuária, Sandra ressalta a importância da produção florestal não-madeireira como estratégia de desenvolvimento econômico e de conservação ambiental. Uma das grandes contribuições de sua pesquisa, conforme aponta, é a grande avaliação que empreende de todas as medidas já adotadas no campo da produção não-madereira, desde o primeiro Ciclo da Borracha, no final do século 19, até a atual política que rege o setor - o Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Sociobiodiversidade (PNPSB), instituído em 2008.
O PNPSB, que contempla dez produtos – açaí, babaçu, borracha natural, castanha-do-brasil, pequi, piaçava, buriti, carnaúba, andiroba e copaíba – atua em caráter nacional envolvendo 500 mil famílias e gerando R$ 160 milhões ao ano. O propósito da política é fortalecer os arranjos produtivos locais, a partir da organização de suas cadeias produtivas em locais estratégicos de ocorrência e comercialização. “Investiguei os três anos subsequentes a essa política, abrangendo todas as ações relativas à cadeia produtiva do pequi, tanto nas dimensões econômica, sociocultural, institucional como nos aspectos organizacionais e ambientais”, explica, acrescentando que o ponto de vista adotado para sua análise foi o dos atores da cadeia produtiva do pequi, “ou seja, justamente os agricultores familiares”.
CERRADO - A partir de dados do IBGE, Ministério do Meio Ambiente e Embrapa, Sandra Regina sublinha a extensão e a importância do Cerrado, apontando o pequi como uma das riquezas expressivas. “É o segundo maior bioma brasileiro, com aproximadamente dois milhões de quilômetros quadrados, ocupa 25% do total da área do país, desde o litoral do Maranhão até o Centro Oeste, com quase 12 mil espécies de plantas registradas e pelo menos 200 com algum potencial econômico”. A ocupação humana do Cerrado, a pressão do setor pecuário e de grãos para exportação, a exploração predatória de material lenhoso para produção de carvão e apenas 7,44% do bioma protegido por unidades de conservação foram outros aspectos mencionados por Sandra para compor o cenário de sua investigação.
Árvore de presença exclusiva do Cerrado, e com 50 anos de vida útil, o pequizeiro está presente na Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e Distrito Federal. “Os quatro principais estados produtores, de 2006 a 2010, foram Ceará, Minas Gerais, Goiás e Pará”, esclarece. Em sua tese, Sandra Regina informa que, durante o ano de 2010, o Brasil produziu 5.786 toneladas de caroços de pequi, o que gerou um valor de R$ 10,6 milhões. Ao longo do período, Ceará e Minas Gerais perfizeram juntos mais de 90% do valor total produzido no Brasil.
“Durante os meses de duração da safra- no máximo três – o fruto do pequi, altamente nutritivo representa um reforço alimentar que se mostra indispensável na mesa das comunidades”, afirma a pesquisadora, reiterando seu potencial como fonte de minerais – manganês, magnésio e cobre – e vitamina C, em teor superior à encontrada em frutas de consumo tradicional, como laranja, limão, banana e maçã. “O pequi é percebido pelo sertanejo como um alimento forte, aquele que oferece ‘sustança’, é portador da força da terra e dá energia ao trabalho”, conforme expõe em sua tese.
RESULTADOS – Durante três anos, Sandra analisou 11 municípios no norte do de Minas Gerais, entrevistando os atores implicados na cadeia produtiva e aplicando questionários junto aos tomadores de opinião. A aplicação de um grupo focal foi feito com o Núcleo Gestor da Cadeia do Pequi, a partir do qual diversas cooperativas estão articuladas.
Como resultado de sua observação, atestou que apesar do grande arcabouço de leis, políticas, programas e planos não existe uma política florestal clara no país. “Diversos são os órgãos atuantes na promoção e controle das atividades florestais, que embora apresentem papéis definidos não demonstram atuar de forma coordenada. Nesse contexto conturbado nasceram as políticas, programas e planos como se observou ao longo dos 134 anos do levantamento histórico”, afirma, ressaltando que, ao longo do período do seu estudo, a atividade extrativista esteve sempre à margem do foco das políticas”.
Segundo Sandra Regina, a defesa do agroextrativismo no Cerrado, como uma possibilidade para a conservação do bioma, é recente quando comparada ao processo histórico que envolve a mesma luta na Amazônia. “O bioma Cerrado não dispõe das mesmas ferramentas que foram utilizadas pelo movimento dos seringueiros, especialmente as articulações internacionais para apoio às suas reivindicações e o acúmulo de experiência em organização em rede, bem como a expressividade econômica da produção extrativista”.
DESAFIOS E RECOMENDAÇÕES – De acordo com sua avaliação, são muitos os desafios a serem vencidos para a promoção efetiva e sustentável do extrativismo no Cerrado: a consolidação do agronegócio na região; a dificuldade na criação de áreas protegidas e na demarcação dos territórios das populações tradicionais; a forma dispersa de ocupação do bioma; o baixo conhecimento quanto à expressividade econômica da atividade extrativista; e a reduzida área de reserva legal.
Como recomendações, Sandra Regina apontou principalmente a necessidade de se estabelecer uma Política Florestal Nacional que integre ações de incentivo ao extrativismo de produtos não-madeireiros, objetivando promover a recuperação, a conservação e o uso sustentável. Quanto à estruturação da cadeia do pequi no norte Minas Gerais, sugere uma atuação mais forte no sentido de envolver os intermediários na discussão e planejamento das ações. “Entre a produção e a comercialização, há os intermediários que não estão envolvidos no processo, o que compromete a atuação junto a cadeia produtiva como um todo”, explica, aproveitando para criticar a ausência de informações sobre a produção e a comercialização do pequi, o que dificulta o mapeamento do setor.
Para o orientador da pesquisa, professor Humberto Angelo, "a grande contribuição do estudo é a composição inédita do retrato desses extrativistas, além do competente e apropriado enfoque econômico e social conferido a esses atores".