No Brasil e na América do Sul, ela é a primeira a ter tal reconhecimento. Trabalho na conservação do mamífero voador já é desenvolvido há 20 anos

Professora Ludmilla Aguiar e um espécime de morcego conservado em álcool. Foto: Amália Gonçalves/SecomUnB

 

Eles têm dieta variada. Das cerca de 1.400 espécies de morcego identificadas, há os que se alimentam de néctar, sangue, peixes, frutas, insetos, carne e aqueles que comem de tudo. Por conta dos hábitos alimentares, desempenham funções importantes para o meio ambiente e a humanidade: são, por exemplo, polinizadores e predadores de pragas. Os que se alimentam com sangue, popularmente chamados de “vampiros”, correspondem a apenas três espécies entre a população de morcegos. Ainda assim, o preconceito e a desinformação permeiam o imaginário coletivo, levando a atos de violência contra as populações desses animais.

 

“O mal que causam é desproporcional à fama que têm”, pondera Ludmilla Aguiar, professora do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília. A docente trabalha há 20 anos na conservação e manejo deste que é o único mamífero que voa. Em razão de seu trabalho, recebeu o Prêmio Spallanzani 2017, concedido pela Sociedade Norte-Americana de Pesquisadores de Morcegos (NASBR). A láurea é dada a profissionais reconhecidos internacionalmente por contribuições para o estudo e a preservação dos morcegos.

 

Ludmilla é a primeira pessoa do Brasil, a primeira pesquisadora da América do Sul e a terceira mulher no mundo a receber tal premiação. Uma das fundadoras da Rede Latino-Americana para Conservação dos Morcegos (Relcom), da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ), foi criadora e editora-chefe por 20 anos da revista científica Chiroptera Neotropical, especializada em morcegos.

 

PRESTADORES DE SERVIÇO – No Brasil, há 180 espécies descritas desses animais. Ainda assim, há pouco estudo sobre o comportamento deles. “Mais de 90% do país não aparece nas amostras das pesquisas”, observa. A região Centro-Oeste é a mais rica em morcegos.

 

Diferentemente das aves e insetos que polinizam uma região muito próxima àquela em que encontraram o pólen, algumas espécies desses quirópteros realizam algo mais próximo à semeadura. Isso porque, depois de se alimentarem, enquanto voam, deslocando-se de um ponto a outro, depositam as fezes no perímetro. Dessa maneira, espalham sementes em todo o seu habitat e promovem reflorestamento das plantas típicas da região.

 

Segundo a pesquisadora, trata-se do melhor tipo de reflorestamento, pois promove a recuperação da área com variedade de plantas nativas. Um exemplo de planta relacionada aos morcegos são os pequizeiros, árvores do cerrado brasileiro cujo fruto é bastante utilizado na culinária do Centro-Oeste.

 

Em Montes Claros (MG), por exemplo, percebeu-se queda na qualidade do pequi. Estudos indicaram que havia relação com o declínio da dispersão de sementes de diferentes pequizeiros. Era a variedade genética que garantia a qualidade identificada. A baixa dispersão, por sua vez, poderia estar relacionada à queda populacional de morcegos na região.

 

Já os malfadados hematófagos, que ocorrem exclusivamente na América Latina, colaboram com o controle de espécies de herbívoros, evitando superpopulações. Por consequência, evitam extinção secundária de outras espécies que são afetadas pelo excesso populacional dos herbívoros, especialmente na competição por alimento. Aliás, a professora explica que os chamados morcegos vampiros não matam suas presas. Quando se alimentam do sangue de animais, estes enfraquecem pouco a pouco e se tornam anêmicos. É assim que morrem.

Coleção de espécies de morcegos conservados em álcool do Laboratório de Biologia e Conservação de Morcegos da Universidade de Brasília. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

Há ainda os insetívoros, parceiros no controle de pragas. Como resultado, utilizam-se menos inseticidas nas plantações. “Nos Estados Unidos, há uma cultura de preservação de morcegos. Há fazendas que até constroem casinhas para os mamíferos, cientes do trabalho deles de eliminar as pragas da plantação de algodão”, relata a docente.

 

A etimologia da palavra morcego tem a ver com suas características: rato + cego. Ludmilla Aguiar cita ainda estudos sobre os métodos de deslocamento desses bichos à noite, baseados em ecolocalização (ou seja, feita de acordo com o eco, a repetição de um som devido à reflexão das ondas sonoras), que foi o que inspirou a criação do radar. "Atualmente está em desenvolvimento um sistema de ecolocalização para pessoas com deficiência visual", informa a professora.

 

PRESERVAÇÃO Ludmilla é autora da primeira lista de espécies ameaçadas de morcegos, feita nos idos da década de 1990. Sobre o extermínio dos hematófagos e o impacto que isso causa no ambiente, pouco se sabe. Estima-se que sua extensão pode ser catastrófica a longo prazo. Isso porque os quirópteros têm vida longa e poucos filhotes. Quando se percebem surtos de destruição desses animais, o que se pode verificar é o fim de toda uma geração de morcegos.

 

Parte do incômodo se dá pelo temor da transmissão da raiva. Eles podem, realmente, ser vetores da doença, mas, sobre isso, a professora explica que o controle é a prevenção, por meio da vacinação periódica dos animais de criação (cavalos e bois), que podem ser mordidos pelos morcegos. 

Professora Ludmilla Aguiar exibe espécie hematófaga. Foto: Amália Gonçalves/Secom UnB

 

Estudos realizados e orientados pela pesquisadora da UnB continuam a investigar a relação desconhecida entre as populações de morcegos e o meio ambiente. Atualmente, a professora investiga os hábitos alimentares dos morcegos em locais urbanos. Para tanto, usa tecnologia da radiotelemetria – monitoramento a distância de alvos fixos ou móveis, por meio de ondas de rádio. “Da cidade para a área rural está se observando uma homogeneização da dieta”, conta.

 

Outra pesquisa em curso, desenvolvida por Ludmilla Aguiar e o mestrando Igor Bueno, procura estimar a quantidade de pragas agrícolas consumidas pelos morcegos. A proposta é fazer sequenciamento genético das fezes dos mamíferos para identificar a variedade de insetos consumidos na região do Distrito Federal e Entorno. Umas das perguntas a ser respondida é: "Seriam os morcegos predadores de pernilongos?". Nesse caso, eles podem vir a ser aliados na luta contra doenças como dengue, chikungunya e zika. "Mas precisamos de verba para isso", afirma a professora.

 

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