"Com a globalização, a mudança dos costumes e o avanço da aviação, a disseminação de doenças mudou", explica o professor Cristiano Barros de Melo, da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV), um dos responsáveis pelo estudo intitulado Avaliação do risco da entrada de doenças infecciosas através do transporte de produtos de origem animal em bagagens de passageiros procedentes do exterior.
Especialista em doenças transmitidas por vírus, bactérias, fungos e parasitas, Cristiano conta que a pesquisa e análise dos produtos apreendidos nos aeroportos internacionais de Confins (MG), Guarulhos (SP), Galeão (RJ) e de Brasília (DF), entre 2009 e 2013, resultou na identificação de 23 agentes infecciosos. "Nós descobrimos que é um problema sério que o nosso país precisa enfrentar", diz.
De acordo com o pesquisador, a entrada de produtos de origem animal e vegetal em território brasileiro, sem certificação sanitária internacional, pode ocasionar a disseminação de doenças, afetando a saúde pública e animal, com impacto social e econômico para o Brasil. "Nosso país é novo, mas é hoje talvez o mais importante na agropecuária mundial e precisa se proteger", alerta Cristiano.
O estudo coordenado pela UnB resultará numa publicação que, entre outras informações, trará características dos passageiros que tentam entrar no país com produtos ilegais. A medida é preventiva e visa auxiliar órgãos de controle e fiscalização na preparação para os mega eventos esportivos a serem realizados no Brasil. "O Ministério [da Agricultura] pediu auxílio da universidade no fornecimento de análises e subsídios para maximizar o trabalho da vigilância agropecuária", conta Cristiano. Ele explica que "o aeroporto é a principal fronteira, por conta da velocidade com que as coisas acontecem. Um agente infeccioso pode chegar da China ao Brasil em 23 horas".
PREJUÍZOS - O professor cita como exemplo o episódio ocorrido no país há 35 anos, em que um vírus foi disseminado no Rio de Janeiro a partir do Aeroporto Internacional do Galeão, recém-inaugurado. "Em 1978, entrou no Brasil a peste suína africana através de resto de comida de bordo de aviões procedentes de Portugal e Espanha", conta. Os alimentos, que deveriam ser destruídos no aeroporto, foram levados por um funcionário para alimentar sua criação de porcos. Quando os animais adoeceram, o funcionário do aeroporto vendeu-os em uma favela do Rio de Janeiro.
Foram necessários seis anos para erradicar a doença. "O MAPA [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], de 1978 a 1984, teve que comprar todos os porcos da favela do Rio de Janeiro. O Brasil gastou mais de R$ 60 milhões para erradicar a peste suína africana", lembra o professor da UnB. "Para os país, é muito mais barato investir na vigilância, na prevenção, do que depois ter que correr atrás. É difícil rastrear e entender até onde aquele problema chegou", completa, citando o evento de 78.
Há ainda episódios recentes de doenças infecciosas em território nacional, como a febre aftosa, que chegou ao país em 2005 pelas fronteiras do Brasil com o Paraguai, e a gripe suína, conhecida também como influenza A, disseminada no país em 2009, a partir do vírus H1N1. A fiscalização nos aeroportos e apreensão de artigos trazidos do exterior é uma das medidas de segurança que objetivam evitar que essas situações se repitam.
Por essa razão, os viajantes brasileiros e estrangeiros não podem entrar no país com produtos de origem animal e vegetal: carnes, cruas ou industrializadas, como salames, pescados, ovos, leite e produtos feitos com seus derivados, como o doce de leite; flores, sementes e até mudas de plantas estão na lista. Confira aqui as recomendações para viagens internacionais.
O estudo, realizado com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é resultado de parceria da UnB com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A coleta do material apreendido foi feita com apoio do Sistema de Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) e Receita Federal. Os produtos coletados foram analisados microbiologicamente no Laboratório Nacional Agropecuário de Minas Gerais, vinculado ao MAPA.