Jovens têm direito à educação, manda a Constituição Federal. E aqueles que moram na região rural têm direito a transporte gratuito e de qualidade para chegar à escola. O Distrito Federal recebeu, em 2007, R$ 2 milhões do governo federal para investir em transporte escolar rural. A Secretaria de Educação do DF injetou mais R$ 4 milhões para garantir o direito dos 21 mil estudantes que utilizam o serviço. Já a cidadezinha de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo, com 300 estudantes, recebeu a bagatela de R$ 83 do governo federal.
Quem vê assim, acha a conta estranha. E especialistas desconfiam. Pesquisa de doutorado da Universidade de Brasília analisou a forma como o recurso do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE), do Ministério da Educação, é investido nos municípios e propôs uma metodologia de distribuição mais justa. Segundo o estudo, o fundo é distribuído de maneira igualitária, de acordo com o número de estudantes. Porém, o método não é eficaz.
“A maneira como esse recurso é distribuído não é a melhor. O direito ao transporte tem de ser igual, independentemente da região onde o aluno reside”, diz o autor da pesquisa, Alan Ricardo da Silva. O pesquisador propõe que uma porcentagem maior da verba seja distribuída de maneira equitativa, ou seja, levando-se em conta a situação financeira dos municípios e dificuldades de acesso a escola, o que inclui questões de relevo e situação das estradas. “À medida que você conhece a heterogeneidade brasileira, você observa que algumas regiões precisam de mais recursos do que outras”, afirma o pesquisador.
PROPOSTA – Atualmente, 80% do PNATE é distribuído de maneira igualitária e 20% de maneira equitativa. O estudo sugere uma distribuição equitativa de 85% do total de recursos e 15% de maneira igualitária. “A lógica se inverte devido à carência dos municípios mais pobres e da necessidade de investir em transporte”, explica Silva. A divisão não é definitiva, diz o pesquisador, o equilíbrio deve mudar conforme a situação vai melhorando. O doutorado Metodologia para Avaliação e Distribuição de Recursos para o Transporte Escolar Rural foi defendido em março de 2009.
A pesquisa propõe a reorganização dos trajetos de transporte escolar rural, por meio de vários critérios e fórmulas para calcular a distribuição mais justa. Longas rotas podem ser fragmentadas em trechos menores, desde que a prefeitura use veículos de menor porte, de acordo com o número de alunos a serem transportados em cada região. “As especificidades de cada município devem ser respeitadas. Essa metodologia consegue captar diferentes contextos e a relação de uma cidade com o município vizinho”, defende a orientadora Yaeko Yamashita, professora do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da UnB.
Em levantamento, o pesquisador analisou o serviço de transporte escolar nos Estados Unidos, Canadá, Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Argentina, Chile, Colômbia e México. Quanto ao Brasil, concluiu-se que as regiões Norte e Nordeste são as mais carentes e que precisam de reforços nos investimentos governamentais.
REALIDADE – O município de Águas de São Pedro tem 2,9 mil habitantes e ocupa uma minúscula área de 3,6 km², circundada pelo município de São Pedro. A cidadezinha recebeu R$ 83 do PNATE em 2007, equivalente a apenas um aluno a ser transportado. Esse foi o dado oficial informado ao MEC à época. Na prática, a realidade é outra. O município não tem área rural, mas recebe 300 estudantes da zona rural de São Pedro.
A pequena cidade mantém três linhas de ônibus escolares, que custam cerca de R$ 12 mil mensais aos cofres da prefeitura. “Não temos mais ajuda porque não temos oficialmente uma zona rural. Queremos provar que esses alunos estudam aqui e vamos atrás de mais recursos. É um serviço muito custoso e você acaba deixando de investir em outras áreas”, diz Dalva Aparecida da Silva, secretária de Educação do município.
No Distrito Federal, 174 escolas recebem diariamente 21 mil alunos que residem em área rural. Em Planaltina, no Centro de Ensino Fundamental 01, a movimentação no horário de almoço é intensa. Treze ônibus escolares se desdobram para levar e trazer estudantes, sendo que um deles faz o transporte rural. Trinta e um alunos são trazidos da escola Altamir, que fica no Núcleo Rural Arapoanga, até o colégio de Planaltina.
Segundo Mirtes Ferreira, assistente de educação da Regional de Ensino de Planaltina, o serviço é de qualidade. Cada veículo tem um monitor que acompanha as crianças, não há ônibus com mais de sete anos de uso, e todos os estudantes usam cinto de segurança. “Não temos registros de acidentes e também não há número excedente de alunos por veículo”, afirma.
Ainda assim, para a estudante Sâmela da Silva Rocha, 11 anos, o atendimento poderia ser melhor. “Os bancos podiam ser mais confortáveis. E mesmo com a janela fechada, sempre entra muita poeira no ônibus”, diz. Todos os dias, a menina caminha 15 minutos da sua casa até a escola Altamir. De lá, mais 25 minutos até o colégio na zona urbana, para estudar a 5ª série das 13h às 18h.