Segundo país do mundo em número de pistas de aviões, o Brasil possui hoje 115 aeroportos públicos recebendo voos regulares. Destes, 40 não precisam das atuais bases de bombeiros militares para combate a incêndios que mantêm em sua estrutura. A avaliação é parte da dissertação de mestrado do bombeiro aeronáutico Daniel Cunha, defendida no Programa de Pós-Graduação em Transportes (PPGT) da UnB, no qual o pesquisador realiza atualmente o doutorado.
Além de gerar 11 propostas de regulamento, que agora estão em processo de audiência pública e podem alterar o modo como a questão é gerenciada no país, o estudo rendeu a Cunha o primeiro lugar no Prêmio de Desenvolvimento e Inovação da Secretaria Nacional de Aviação Civil. “Considero a proposta do Daniel desafiadora e inovadora. A maioria das pessoas que têm acesso a como as mudanças poderiam ser feitas não tem a noção de vanguarda", elogia a engenheira e professora Michelle Andrade, orientadora do trabalho.
Para o pesquisador, a abordagem singular e diferenciada foi responsável pela repercussão do estudo. “É uma iniciativa inédita. Já havia análises de impacto regulatório, mas bem elementares. Juntei essa análise com o custo e procurei determinar o nível de equilíbrio, definindo até onde é possível chegar dentro da razoabilidade e da segurança”, explica.
Durante o mestrado, Cunha realizou inspeções e vistorias em aeroportos de diversos tamanhos Brasil afora. O bombeiro aeronáutico pesquisou ocorrências de cem aeroportos no intervalo de dez anos. Neles, analisou dez milhões de movimentos. Ao calcular e sistematizar os custos e a necessidade da presença de bases de bombeiros nos locais, percebeu que a estrutura de combate a incêndio não é usada em boa parte dos aeroportos. “A norma que regula o tema é muito pesada, com muita exigência para aeroportos, mas, na prática, os bombeiros que ficam nesses locais passam meses sem sequer ligar o caminhão. E tudo isso custa", diz.
O porte do aeroporto é o que determina o tamanho da estrutura de auxílio, que pode custar até R$ 150 milhões por ano, o equivalente a 37 Ferraris 0 km do modelo mais caro comercializado no país. O objetivo de ter esse serviço em um aeroporto é mitigar o risco em caso de desastre. “Mas não há acidentes em muitos aeroportos, simplesmente porque não há movimentação que justifique. Assim, o serviço torna-se desnecessário”, enfatiza o profissional, que atua há mais de 15 anos na área da aviação.
A primeira parte do estudo consistiu em analisar onde está o risco, desde os menores até os maiores aeroportos. Cunha identificou que o risco se concentra nos maiores aeroportos, uma vez que eles têm recorrência de eventos. “Ali, sim, é indispensável ter o serviço”, defende. Se as propostas de regulamento geradas pelo estudo do pós-graduando forem adiante, 40 dos 115 principais aeroportos do país podem ser isentados da obrigação de manterem essas bases. Em dez anos, nenhum acidente foi registrado nesses locais.
“Minha motivação para esse trabalho é pertencer à área. Para mim, quanto mais eficiente for a aviação, melhor”, justifica o pesquisador. "A essência da vida das ciências aplicadas é justamente resolver as demandas da sociedade”, complementa a orientadora do projeto.
ROTAS EFICIENTES – O trabalho que levou o segundo lugar no prêmio de inovação na aviação civil também foi desenvolvido na Universidade de Brasília, desta vez no âmbito do Laboratório de Modelos Computacionais para Transporte Aéreo (TransLab). Orientado pelo professor Li Weigang, que também esteve à frente do trabalho vencedor da edição anterior do prêmio, o estudo desenvolvido pelo então doutorando Leonardo Cruciol dedicou-se a buscar soluções em gerenciamento de tráfego aéreo.
Questões como a rota preferencial para um avião, a tolerância de atraso de uma aeronave e outras que envolvem dificuldade em tomada de decisão no transporte aéreo estiveram no cerne da pesquisa. Com base no Collaborative Trajectory Options Program (CTOP), Cruciol propôs dois modelos computacionais aprimorados para melhorar a tomada de decisão na utilização de rotas aéreas.
Eles indicam, por exemplo, qual rota deve ser escolhida em detrimento de outra, a fim de que os melhores resultados de negócio para a companhia aérea sejam alcançados. O CTOP é amplamente utilizado nos Estados Unidos – onde o egresso da UnB conduziu parte da pesquisa.
O modelo Single Games for CTOP (SG-CTOP) busca otimizar de maneira dinâmica e automática a concorrência por rotas de voo. Já o Repeated Games for CTOP (RG-CTOP) mostra como a estratégia de preferência de rotas de cada companhia irá afetar a estratégia da outra. Ele possibilita que o sistema seja condicionado a partir das escolhas, utilizando estratégias adotadas anteriormente como banco de dados para balizar a decisão do momento.
Ambos os resultados alcançados pelos modelos mostraram-se promissores para as companhias aéreas. O modelo SG-CTOP alcançou um desempenho superior ou igual em 97% dos casos, quando comparado com as melhores estratégias atuais, reduzindo, para uma companhia, por exemplo, 537 horas de atrasos nos voos envolvidos no CTOP.
Já o modelo RG-CTOP alcançou uma taxa de melhoria aproximada de 21% para uma determinada companhia aérea, ao se considerar o condicionamento e a adaptação de estratégias frente aos seus concorrentes na disputa dos melhores resultados. “Na hora que recebo os dados, começo a verificar quais voos vou mudar, quais as rotas e opções dentro de todos os cenários possíveis”, explica Cruciol.
Por exemplo: em virtude de um cenário tal, o sistema escolhe a opção um. Em caso de mudança da situação, ele consegue discernir que seria mais adequado adotar a estratégia número dois, e assim por diante. “O risco de o sistema escolher a rota inadequada e assim gerar perda é muito pequena”, indica, sobre a eficácia do modelo, que ainda não tem previsão para ser empregado.