Pesquisadora Leila Ollaik conclui que a renúncia fiscal é um grande incentivo, mas traz como consequência dificuldade de democratização do acesso a museus em todas as regiões do país.

Os instrumentos de gestão financeira dos museus ainda não cumprem os objetivos de inclusão social e de resgate de culturas populares. A constatação é de estudo desenvolvido pela pesquisadora Leila Ollaik, que, em sua tese de doutorado em Administração, mapeou as modalidades de fomento governamental adotadas na política nacional de museus. E para que essa política cumpra sua missão de ampliar a memória artística e cultural brasileira, mesmo nos locais mais desassistidos e distantes, a pesquisadora identificou falhas na implementação da gestão direta, da renúncia fiscal e da assistência financeira no setor e apontou que o acesso aos museus ainda precisa ser mais democratizado.


Em seu estudo, seu propósito foi verificar se essas modalidades de captação de recursos fomentam manifestações culturais plurais e representativas de uma sociedade complexa e diversificada como a brasileira. Em sua tese de doutorado, recentemente defendida, Leila Ollaik valeu-se de sua experiência no serviço público federal, onde atua como especialista em políticas públicas há 15 anos, para indagar como se dão os incentivos de recursos, além de levantar as principais dificuldades enfrentadas na gestão financeira dos museus, no que diz respeito ao funcionamento dos espaços que dialoguem com todos os estratos sociais.


De início, a pesquisadora partiu da suposição que a assistência financeira (transferência de recursos do governo para uma organização pública ou privada) seria o instrumento mais adequado à ampliação do acesso; a renúncia fiscal (redução ou isenção de tributos) o que menos democratizaria; e a gestão direta (o Estado é o ator que executa as ações), a modalidade mais alinhada aos objetivos da política. Para compor a análise desses três instrumentos de financiamento, Leila entrevistou gestores e diretores de 24 museus  - oito em cada modalidade -, recorrendo às seguintes categorias de análise: incentivos,  autonomia, informação, etapas e tempo, apoio institucional e apoio social.


ASSISTÊNCIA E GARGALO FINANCEIRO –
Mas ao investigar a gestão desses museus, a hipótese de que destinar recursos justamente para as prefeituras que mais precisam seria a melhor modalidade de fomento não se confirmou, “apesar de dispor de potencial e de ter sido desenhada para esse fim”.  Segundo avaliou, “na prática, o alcance é muito pequeno, constituindo poucos museus a cada edição”. Para ela, “esse tipo de assistência exige um grande esforço por parte do implementador na ponta, ou seja, do próprio diretor e responsável por cada iniciativa. A manutenção dos recursos é muito complicada e nem sempre as portas conseguem ficar abertas para o público”, explica. “Apesar de geograficamente bem direcionados os museus fomentados por esse instrumento governamental, notamos dificuldades para cumprir os requisitos, evidente gargalo financeiro e resultados incipientes”, conclui.


ROUANET, LEI CONCENTRADORA –
De acordo com a investigação da economista, a modalidade de renúncia fiscal configura um incentivo financeiro grande, com maior volume de recursos, em geral do setor privado, gerando mais autonomia para os gestores e maior alcance das iniciativas. A lei Rouanet é um exemplo desse tipo de captação de recursos, “trazendo significativo grau de concentração, ou seja, financiando poucos projetos dadas as próprias características dos mecanismos de mercado”.


Leila demonstra que apenas os projetos com maior apelo comercial costumam atrair investimentos do empresariado tanto estatal quanto privado. “Na prática, notamos que 80% das verbas levantadas por essa lei são para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, restando a menor parte para ser dividida entre o Centro-Oeste, o Norte e o Nordeste”, assinala.


Em sua tese, a pesquisadora explica que o Ministério da Cultura (Minc) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) se valem da renúncia fiscal para captar recursos do setor privado. Entre os financiadores também se verifica a forte presença de empresas estatais. “Apesar de ser modalidade concentradora de financiamento, gerou muito mais museus que os outros instrumentos. E embora os recursos estejam geograficamente concentrados, apresentam também capacidade de democratização do acesso, com iniciativas voltadas à população carente, seja em periferias como no interior do Brasil, o que acaba por atender ao objetivo da política nacional de museus”.


GESTÃO DIRETA –
O fornecimento de bens ou prestação de serviços diretamente do ente estatal, na política nacional de museus, também foi analisado por Leila. De acordo com sua avaliação, “apesar de a burocracia ser o mecanismo utilizado pela gestão direta, esta apresenta vantagens e desvantagens”. Como pontos favoráveis, destaca o fato de não depender de questões contratuais – e toda a instabilidade decorrente dessas situações circunstanciais –, e ainda o diretor do museu ter assegurada a manutenção da unidade,  não precisando “correr atrás” de recursos, restando-lhe a mais importante das preocupações: o próprio objetivo da política. Como desvantagem, menciona uma autonomia menor por parte dos gestores.


Para a economista, essa modalidade de fomento se destaca por seu “potencial visível, claro e mensurável, embora geograficamente restrito”. Em seu universo de pesquisa, observou as práticas dos museus do Ibram, a exemplo do Museu Histórico Nacional (RJ), Museu do Diamante (MG), Museu Regional Casa dos Ottoni  (MG), Museu Victor Meirelles (SC), Museu das Missões (RS), Museu Casa Histórica de Alcântara (MA), Casa da Princesa, Museu das Bandeiras, Cidade de Goiás e Museu da Arta Sacra da Boa Morte (GO) e Museus da Abolição (PE).


Leila Ollaik deixa como recomendação a necessidade de se investigar os motivos da baixa prestação de contas por parte desses atores. “O Estado não pode perder de vista um dos eixos da política de museus, justamente os projetos voltados à inclusão social e à democratização das oportunidades de acesso a partir de possibilidades e iniciativas tão interessantes que atestamos existir, mas muitas vezes têm dificuldade de prosseguir, como acervos em penitenciárias, atividades sociais de museus a pacientes internados, resgates de cultura popular, formação de acervos que representem a diversidade do Brasil”, conclui.