O daltonismo, também chamado de discromatopsia, é um um distúrbio que influencia na percepção das cores. A doença é uma condição geneticamente hereditária e recessiva, ligada ao cromossomo sexual X. A maioria dos casos incide sobre homens, mas mulheres também podem portar a deficiência e transmiti-la aos filhos. Normalmente, o diagnóstico é simples e, muitas vezes, feito pela própria família, como foi o caso de Felipe Spínola, egresso do curso de Ciência da Computação da UnB e autor do Trabalho de Conclusão de Curso intitulado Desenvolvimento de aplicativo móvel para auxílio de indivíduos com discromatopsia utilizando visão computacional.
“Minha mãe que descobriu que eu tinha daltonismo. Na época tinha seis anos, e meu irmão e eu estávamos brincando de elefante colorido. A brincadeira é simples. Basicamente, tem um comandante que fala o nome de uma cor e o restante dos participantes tem que correr e tocar em um objeto ou material que tenha essa cor. Foi então que a minha mãe pediu para trazermos uma coisa verde, e estávamos em um gramado. Começamos a cavar, procurando um objeto verde”, conta Spínola, cujo irmão também tem a doença.
Segundo o professor do Departamento de Ciência da Computação Flávio Vidal, pesquisador em visão computacional – área da ciência que abrange máquinas com a capacidade de "enxergar" –, a comunidade daltônica é significativa, o que abre uma perspectiva de explorar melhorias para esse grupo da sociedade.
Segundo ele, cerca de 5% a 8% da população brasileira é daltônica, mas muitos não sabem que têm a doença. Apesar de existirem recursos para essa parcela da sociedade, de forma geral, o docente afirma que são estáticos e generalistas. “As soluções mais comuns para os daltônicos não permitem sua adequação a cada um dos possíveis casos de daltonismos existentes e suas intensidades de manifestação,” pontua.
Durante o curso de graduação, então, Spínola teve a ideia de desenvolver um aplicativo para auxiliar pessoas com variações de daltonismo e minimizar os efeitos da doença na vida das pessoas. O mecanismo de funcionamento consiste em amparar a ação de recognição de cores.
Os tipos mais comuns de daltonismo são protanopia (não é possível ver a cor vermelha), deuteranopia (não consegue ver o verde) e tritanopia (não vê o azul e o amarelo, e é o mais raro). No entanto, as noções de cores também são diferentes em cada indivíduo, ou seja, a percepção do vermelho, por exemplo, é diferente para cada pessoa com daltonismo.
PROJETO – O protótipo do aplicativo foi desenvolvido com base nas experiências do estudante. Além das partes técnicas de programação, a ferramenta também leva em conta o teste de Ishihara, utilizado para saber se a pessoa tem daltonismo e de que tipo. “Existem imagens que só uma pessoa ‘normal’ vê e o daltônico não. Tem imagens que só o daltônico vê e a pessoa ‘normal’ não enxerga. Tem imagens que só o daltônico com protanopia vê e os outros não. Tem imagens que só o daltônico com deuteranopia vê e os demais não”, explica Spínola.
O programa é mobile, isto é, voltado para dispositivo móvel, utilizado juntamente com a câmera do aparelho. De acordo com o professor, que orientou o trabalho de Spínola, “pode ser facilmente migrado para óculos inteligentes como o Google Glass”, ou seja, aquele equipamento que incorpora as funcionalidades de dispositivos de realidade aumentada em óculos tradicional.
Outra das vantagens do aplicativo é a personalização, que é feita na etapa inicial. Na primeira utilização, a pessoa realiza o teste de Ishihara, no qual serão mostradas simultaneamente 24 imagens cuja finalidade é reconhecer o tipo de daltonismo do usuário. A partir disso, o programa é configurado e adaptado para identificar as cores que o indivíduo não distingue, o que torna o aplicativo único para cada indivíduo.
Ponto alto da ferramenta também é a mudança na relação com o ambiente. “Ela permite a interação dinâmica”, comenta Vidal. Feita a adaptação personalizada, o aplicativo marca no visor os objetos que têm a cor não distinguível pelo usuário. Por exemplo: a pessoa não identifica a cor vermelha. Com auxílio do programa, ao filmar uma imagem que contenha objetos vermelhos, o programa delimita os objetos e informa a existência da cor que não é identificável ao indivíduo e as suas variáveis.
Como é recorrente a alternância de tonalidades, a alternativa encontrada foi adotar o padrão de cores da Comissão Internacional de Iluminação (CIE). Além disso, o software comunica as composições delas, informando a porcentagem presente em cada objeto sinalizado. De acordo com Vidal, as cores mudam conforme a iluminação do ambiente, e o aplicativo consegue perceber essas nuances e alertar a cor em cada local.
BENEFÍCIOS – Os dois condutores do projeto, professor e aluno, enfatizam o impacto social que o aplicativo pode oferecer. “Imagine que o daltônico não se engane com atividades do cotidiano, como pegar um talão de cheque. Pense no dia a dia, no supermercado. Um exemplo simples: o biscoito que ele gosta muda de embalagem. Como identificar esse biscoito?”, indaga o docente.
O professor volta os estudos para aplicações que envolvam rastreamento e análise de movimento em imagens, campo que, segundo ele, “é um dos mais conceituados por grandes empresas como Facebook e Microsoft, pois tem chamado muita atenção do mercado para o que pode ser feito em diversas áreas, tais como segurança, automação, análise de dados, entre outras”.
Hoje, a intenção do docente é ampliar essa tecnologia de forma que atenda também a outros tipos de restrições visuais. E, para isso, ele busca mais estudantes que tenham interesse em participar da realização do projeto.
Mesmo com impacto positivo, avanços e diferenciais em relação a outras soluções, o protótipo ainda está sem financiadores. “Estamos procurando parcerias para continuar com o projeto”, diz Vidal, que ressalta que esse é um mercado com ampla margem de crescimento.