Dissertação de mestrado em Administração propõe método para identificar possíveis inadimplentes no programa Minha Casa, Minha Vida

Arte: Igor Outerial/Secom UnB

 

Moradia é direito humano inalienável garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Exatamente por isso, é tema de políticas para aumentar o acesso à casa própria. O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), criado pelo governo federal, é uma delas e se dá via financiamento imobiliário. O problema surge quando a capacidade de pagamento da dívida desaparece ou reduz drasticamente. Do ponto de vista do prejuízo individual, o devedor pode perder o imóvel; do coletivo, a sociedade se prejudica, pois o dinheiro gasto no financiamento que não deu certo poderia ter sido empenhado em outro para alguém com melhores chances de honrar o empréstimo. Esse pensamento motivou o administrador Rômulo Vieira a investigar como diferenciar quem pode ser o bom e o mau pagador.

 

Autor da dissertação de mestrado Predição do Bom e do Mau Pagador no Programa Minha Casa, Minha Vida, Vieira ganhou o primeiro lugar na 8ª edição do Prêmio INFI-FEBRABAN de Economia Bancária. Apesar da dificuldade de acesso aos dados, ele conseguiu uma base de 2,4 milhões de contratos de financiamento, que levaram quatro semanas para serem processados.

 

A relevância social da pesquisa está no impacto na vida das pessoas. O orientador Herbert Kimura relata que a inadimplência pode ser um problema grande e novo para pessoas. “Para uma certa faixa da população, crédito significa muita coisa. Pode significar inserção na sociedade”, disse.  

Rômulo Vieira se propôs a descobrir como reduzir a inadimplência no Minha Casa, Minha Vida. Foto: Amália Rodrigues/Secom UnB

 

“Se o empréstimo fosse feito para bons pagadores, o programa seria mais sustentável. Haveria mais verba para fornecer crédito imobiliário para outros bons pagadores”, reforça Vieira. 

GASTOS –  Destaca-se na pesquisa o montante financeiro dedicado aos financiamentos imobiliários. “De acordo com dados do Banco Central do Brasil, o saldo das operações de crédito, de 2011 a 2014, tiveram crescimento médio de 15,3%, totalizando em dezembro de 2014  saldo de R$ 1.412 bilhão. Destacam-se, nessas operações de crédito, os recursos direcionados ao setor imobiliário que tiveram crescimento médio de 30% entre 2012 e 2014, com o saldo total indo de R$ 255 bilhões (2012) para R$ 431 bilhões (2014)", afirma Kimura.

 

O orientador observa que a dissertação se destaca por ter parte científica e prática. “O foco não é restrito aos pesquisadores. Tem impacto na sociedade. Outras pesquisas sobre o tema costumam ter foco na academia”, comenta. 

 

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – Herbert Kimura observa que o diferencial da pesquisa, em termos científicos, é usar técnicas diferentes para um problema comum. “Vieira usa técnica de inteligência artificial, o Machine Learning, ao invés de usar algoritmos tradicionais de estatística, de forma que o resultado é interessante para bancos e pessoas”, comenta Kimura.

 

A partir dos dados coletados, a máquina identifica quem é bom pagador ou não. A técnica envolve “ensinar” a máquina a ler as informações. Atualmente, a taxa de inadimplência é de 10% a 11% . Se essas tecnologias estudadas por Rômulo Vieira fossem usadas, a pesquisa mostra que a taxa de inadimplência baixaria para 3%. “Poderia trazer mais acurácia para as previsões, economizando R$ 10 bilhões e repercutindo em sustentabilidade para o programa”, destaca.

 

Vieira explica que, para a comunidade acadêmica, a importância da pesquisa é adequar a técnica à situação particular. “Apesar de haver hoje vários mecanismos de Machine Learning, não se sabe qual o algoritmo mais adequado para uma operação financeira específica.” O trabalho identificou que o algoritmo Bagging ofertaria os melhores resultados. "Logo, 197.905 contratos inadimplentes deixariam de existir para o programa. Considerando uma média de R$ 50 mil por operação de crédito e descartando a hipótese de retomada do imóvel em caso de inadimplemento, poderia se esperar uma redução nas perdas com inadimplência de R$ 9,8 bilhões", afirma o administrador na dissertação.

  

Kimura explica que o uso das ferramentas daria ao governo noção melhor do impacto da política de crédito para habitação pública, de forma que poderia avaliar o quanto perde com a inadimplência e a consequência disso. A partir dos dados, “o governo pode fazer educação financeira; elaborar políticas públicas com foco não só no crédito para comprar a casa, mas também na conscientização sobre a forma de gerir e manter a estrutura da residência”, reflete o orientador.

Professor Hebert Kimura orientou a dissertação de mestrado, que foi ganhadora de prêmio da Febraban. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

O QUE DIFERENCIA – “Esse método de pesquisa não olha para as características das pessoas, como gênero e raça. Olha para a operação”, comenta Vieira. A explicação se dá porque os modelos atuais fazem distinções subjetivas, como de gênero. “Havia a hipótese de que as mulheres seriam melhores pagadoras, por isso, há maior empréstimos para elas”.

 

O estudo indica, contudo, que a maior inadimplência está entre as mulheres. E mais: a pesquisa mostra que considerar essas características de classe não é determinante para a adimplência ou a inadimplência. O que realmente impacta o pagamento do empréstimo, segundo a dissertação, é o tipo de operação realizada, entendido como os valores do empréstimo, do subsídio, da renda, do imóvel, e as taxas de juros.

 

Para chegar a essa conclusão, Rômulo Vieira fez dois testes: um com as características das pessoas que fizeram empréstimos e outro sem essas variáveis. A acurácia com as características foi de 90%, enquanto sem foi de 89%. Do ponto de vista da operação, os critérios são discutíveis.

 

Além disso, a pesquisa ampliou o período de inadimplência utilizado para avaliar a questão. Geralmente, considera-se 30 dias, mas o trabalho indicou que o prazo de 180 dias fornece mais subsídios para avaliação. "Quanto maior a base, maior a acurácia de previsão”, diz.

 

E O DIREITO DE MORADIA DO MAU PAGADOR? – O orientador concorda que, de certo modo, a pesquisa vai contra a política atual, que é de concessão de crédito, pois a ideia seria evitar o benefício para aqueles com sinais de mau pagador.

 

Além disso, há chance de erro, nos casos em que o algoritmo indicar, erroneamente, que a pessoa será inadimplente. Para essas situações, Vieira propõe a oferta de métodos de acesso que não seja o Minha Casa, Minha Vida. “No caso dos que são considerados maus pagadores, seria o caso de pensar outras políticas públicas, adequadas às suas peculiaridades, para atender à demanda de moradia”, elabora Vieira. 

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