Você associa a imagem dos chinelos que usamos no dia a dia ao Brasil? E aquele champanhe que costuma ser consumido ao final do ano, te remete à França? Quando você pensa em relógios de marcas famosas, qual lugar te vem à cabeça? É comum que empresas internacionais se utilizem da imagem de seu país de origem para promover suas marcas no exterior.
Um artigo escrito por integrantes do grupo de pesquisa Experimenta, ligado ao Departamento de Administração (ADM/Face) da UnB, mostra que esse tipo de estratégia de marketing tem melhorado o desempenho financeiro de multinacionais (que possuem filial em outro país) e exportadoras brasileiras no mercado internacional. Publicado na revista científica International Journal of Emerging Market, o estudo é de autoria do professor do Departamento de Administração Rafael Barreiros Porto, da mestre em Estratégia, Marketing e Inovação pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da UnB Paula Akitaya e da doutora no mesmo PPG Denise Oliveira.
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Para a análise, os pesquisadores consideraram 3.157 dados financeiros levantados entre 2001 e 2016 de 145 empresas brasileiras internacionalizadas listadas na bolsa de valores de São Paulo. São multinacionais e exportadoras de 17 setores econômicos, entre eles alimentos e bebidas, ferro e aço, varejo e atacado, e têxtil – onde está concentrada a maior parte das empresas.
A ideia era traçar um comparativo das métricas financeiras entre aquelas que associam a imagem do Brasil a suas marcas e as que não adotam essa prática. Para isso, os autores criaram uma medida específica: o chamado posicionamento de origem da marca-país, que demonstra a intensidade de uso desse tipo de estratégia de comunicação.
“É uma medida bastante pragmática, porque é baseada nas divulgações que as próprias empresas estão adotando na comercialização de seus produtos no exterior”, diz o professor Rafael Porto, que liderou o estudo e é coordenador do Experimenta.
“O efeito país de origem utilizado pelas empresas está relacionado a como a imagem do país impacta a imagem dos produtos comercializados pela empresa no exterior. É um estímulo que influencia a escolha do consumidor na ausência de outras informações sobre o produto”, aponta Paula Akitaya.
MARCAS DE BRASILIDADE – A investigação foi feita em três etapas. Na primeira, os pesquisadores avaliaram possíveis elementos que indicassem o uso da imagem do Brasil nos websites utilizados pelas empresas para comércio no exterior.
“A gente começou a registrar nesses sites qual era o slogan ou a frase que estavam utilizando naquela época – se nessa frase continham elementos que identificavam que era do Brasil ou não –, se no texto comercial ou institucional de apresentação da empresa tinha identificação do Brasil; também a presença no nome da marca da empresa de algo que identificasse que empresa era brasileira – se tinha algum ícone, gráfico, símbolo, cores do Brasil, como verde amarelo, utilizasse a bandeira ou a identidade do Brasil”, descreve Rafael Porto.
A partir deste levantamento, as empresas foram avaliadas de 0 a 3 quanto ao uso desta estratégia a partir da presença ou ausência de cada um destes elementos listados, para chegar à medida proposta na pesquisa. “Quanto maior esse indicador, mais imagem do Brasil ela estava tentando transmitir”, explica o professor, ao detalhar que se trata do somatório da pontuação em cada elemento.
Essa variável foi correlacionada a três métricas utilizadas para avaliar dimensões específicas do desempenho financeiro das empresas: participação de mercado (market share), retorno sobre ativos e valor de mercado financeiro – este último medido pelo indicador Q de Tobin. Com base em técnica estatística utilizada para analisar dados longitudinais – o que envolve a medição de uma ou mais variáveis de uma mesma unidade em diferentes momentos –, os pesquisadores investigaram o resultado financeiro alcançado pelas empresas um ano após adotarem esta estratégia e comparou com aquelas que não a utilizaram, no mesmo período.
PROVÁVEL RETORNO FINANCEIRO – Um dos objetivos da pesquisa era saber se este posicionamento aumentava as vendas relativas das empresas e as deixava mais competitivas no mercado internacional. “O market share (participação de mercado) é o principal indicador financeiro que mede competitividade de vendas das empresas. Quanto maior esse indicador, maior a participação de mercado em vendas daquela empresa em relação a outras daquele mesmo setor. Ou seja, mais essa empresa está vendendo do que os concorrentes do mesmo setor”, elucida Rafael Porto.
Segundo o professor, as análises demonstraram efeito positivo do uso da imagem do Brasil na participação de mercado para exportadoras e multinacionais. Já aquelas que não fizeram essa associação tiveram menor participação no mercado. “Quanto mais a empresa adota o posicionamento de imagem da marca-país, maior será a participação no mercado dela, ou em outras palavras, maior será a competitividade de vendas dela”, afirma.
Outra vantagem do vínculo da marca à identidade brasileira foi constatada no retorno sobre ativos, indicador que aponta a rentabilidade das empresas com seus ativos, ou o quanto o capital investido por acionistas gera lucro. Quando se trata deste indicador, observou-se na amostra que houve aumento da lucratividade conforme intensificou-se tal posicionamento, enquanto a ausência de elementos relacionados ao país de origem na marca resultou na redução do lucro.
No caso das multinacionais, que têm subsidiárias de vendas no exterior, ainda que o efeito do uso da estratégia tenha sido menor no lucro em comparação ao resultado alcançado pelas empresas exclusivamente exportadoras, ele também foi significativo.
EXPORTADORAS EM DESVANTAGEM – Essa lógica benéfica muda para as exportadoras quando considerado o valor de mercado, que indica o preço que os investidores estão dispostos a pagar pelos ativos de uma empresa.
“Os ganhos financeiros vindos do posicionamento do 'país de origem' dependem se a empresa é puramente exportadora ou se tem subsidiárias de vendas no exterior. A existência de subsidiária de vendas com uso desse posicionamento de imagem potencializa os ganhos de competitividade de vendas e valor de mercado, enquanto as empresas que apenas exportam utilizando dessa estratégia potencializam a lucratividade, mas podem perder valor de mercado”, observa o docente do Departamento de Administração.
Os motivos para essa desvalorização das exportadoras na bolsa de valores não foram investigados no artigo. No entanto, Rafael Porto menciona indícios a partir de outras pesquisas já realizadas sobre o assunto. “Para as exportadoras, que estão no início do processo de internacionalização, [essa estratégia] não compensa muito. Pode ser que, pelo fato de estarem no estágio inicial, elas podem não saber como administrar os recursos financeiros para gerar valor dentro da bolsa de valores. Isso termina gerando uma imagem negativa para os investidores na bolsa de valores.”
O professor pondera que esse tipo de estratégia de comunicação só funciona, em todos os casos, em duas situações: quando o país de origem da empresa tem uma imagem positiva nos países onde seus produtos serão comercializados e quando a marca da empresa não é forte no exterior. Ele ressalta que esse tipo de posicionamento é comum entre commodities brasileiras.
“Em termos gerais, as empresas brasileiras que exportam ou mesmo as multinacionais não têm uma marca forte no mundo. Pode ter até uma marca forte no Brasil, mas, geralmente, elas não têm no mundo. Como precisariam ter para poder comercializar os seus produtos lá fora, recorrem a essa estratégia de marca-país porque, em especial, é como se fosse uma estratégia muleta, de auxílio na imagem da marca”, explica Rafael Porto.
DISSERTAÇÃO ASSOCIADA – O artigo é um desdobramento da pesquisa de mestrado desenvolvida por Paula Akitaya no Programa de Pós-Graduação em Administração da UnB. Em sua dissertação, ela estudou o desempenho financeiro de empresas brasileiras internacionalizadas e incluiu uma avaliação do impacto do posicionamento da imagem da marca-país.
A amostra considerada foi maior, de 220 empresas, sendo elas tanto internacionalizadas quanto com atuação apenas no Brasil, para comparação dos dados financeiros, de 2001 a 2016, dos dois grupos. “Há um mito sobre a expansão internacional das empresas brasileiras de que seria negativo para o país se uma empresa abrisse uma filial no exterior, que significaria uma “exportação de empregos” e que não ajudaria a balança comercial”, expõe Paula.
“Por outro lado, sabemos que os países com as maiores economias do mundo possuem empresas com filiais no exterior, e que elas contribuem muito para a economia dos seus países. Por que para o Brasil seria diferente?”, questiona ela, que identificou melhor desempenho financeiro das empresas internacionalizadas em relação às que estão somente no Brasil.
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Atualmente professora voluntária no Departamento de Administração, Paula Akitaya orgulha-se de sua formação na Universidade de Brasília. “Sempre foi uma instituição muito importante na minha vida e na vida da minha família. Meus avós paternos vieram do Maranhão para que os filhos estudassem na UnB. Muitos dos meus tios, primos e todos os meus irmãos estudaram na Universidade. Tenho um sentimento de gratidão e quero poder retribuir um pouco de tudo o que a UnB me proporcionou”, compartilha a pesquisadora, também egressa do curso de Relações Internacionais.