Aprofundar o contato com o conteúdo estudado em uma disciplina nem sempre é uma opção acessível a todos os alunos. No curso de Arquitetura, essa dificuldade se dá não apenas em relação ao material didático necessário, mas também porque pode ser caro viajar a um país de referência em construções épicas, para ver de perto cada detalhes do que é proposto para análise em sala de aula.
Pensando nessa questão e em uma forma de dinamizar o ensino, Matheus Rudo, estudante do oitavo semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo, desenvolveu um jogo capaz de tornar obras, instalações, construções e monumentos mais acessíveis e compreensíveis, até mesmo para leigos. O Arquitetura Zeitgeist conecta a área com o mundo dos jogos, prometendo uma experiência de estudo mais interativa e estimulante.
Disponível na plataforma de jogos Steam desde o mês de março, o Arquitetura Zeitgeist possui hoje dois modos de jogo. O primeiro é o modo História, no qual o jogador pode estudar a biografia do arquiteto selecionado, movendo-se virtualmente por seus projetos arquitetônicos e coletando anotações que contam a história do projeto e do arquiteto.
Para avançar e concluir as “fases”, é necessário coletar todas as anotações espalhadas pelos espaços. Até o momento, estão disponíveis no jogo dois projetos arquitetônicos: a Casa Azuma, desenvolvida pelo arquiteto japonês Tadao Ando, e o Pavilhão de Barcelona, projetado pelo alemão Ludwig Mies van der Rohe, considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX.
No segundo modo, chamado de Sandbox, termo alusivo à criatividade que as crianças têm brincando no parquinho de areia, o jogador pode andar livremente pelas obras, sem precisar cumprir os objetivos do modo anterior. Essa independência entre os módulos foi pensada para que os professores possam explicar em detalhes os projetos em questão conforme sua necessidade em sala de aula. “Eu desenvolvi o jogo por livre e espontânea vontade, porque eu pensei que, se eu conseguisse fazer isso, seria algo que poderia revolucionar o estudo da arquitetura”, afirma Matheus.
PROCESSO DE CRIAÇÃO – A ideia do estudante de desenvolver o jogo surgiu em sala, ainda no ensino remoto emergencial decorrente da pandemia. “Eu estava tendo uma aula de História da Arquitetura da Sociedade Industrial, e a professora da matéria é muito preocupada com a questão dos direitos autorais nos slides. Então ela mostrava algumas imagens que tinham a referência correta e exata, mas que não eram tão boas, então era muito difícil entender os projetos”, relembra Rudo.
Entusiasta da modelagem em 3D desde criança, o estudante fez algumas imagens das obras que eram analisadas no curso para ajudar a professora. “Eu pensei na ideia do jogo porque o aluno ia poder ver do jeito que ele quisesse, como ele iria ver na vida real. Ele não ia ter uma foto estática, um vídeo controlado”, conta Matheus.
O primeiro modelo a ser desenvolvido por Rudo foi a Casa Azuma. “Eu recriei dentro de um programa de arquitetura exatamente todas as plantas, tudo igual ao projeto do arquiteto”, relembra. A partir dessa modelagem, o estudante fez os testes que viriam a dar origem ao projeto.
O Arquitetura Zeitgeist, que recebeu este nome para referenciar o contexto e o momento em que os projetos arquitetônicos foram criados (Zeitgeist é um termo alemão cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos), foi desenvolvido no software Unreal Engine, utilizado pela primeira vez em 1998 em um jogo de tiro, mas que hoje está presente em jogos de aventura, esporte, RPG, além de produções cinematográficas.
“Eu tive que começar a aprender como mexer no programa do zero, porque ele era totalmente diferente de tudo que eu já tinha feito”, conta Matheus Rudo. Mas ele já tinha tido a experiência de programação desde muito cedo. "Hoje em dia a programação não é mais como era antigamente. Tem a programação visual, por exemplo. Com ela, ao conectar caixinhas eu consigo fazer o que eu faria com linhas e mais linhas de código”, explica.
“Isso para mim tornou o processo muito melhor”, avalia. Segundo o estudante, as novas possibilidades tornaram a programação muito mais acessível, possibilitando a um aluno de arquitetura fazer um jogo sem o conhecimento direto da linguagem de código.
Matheus Rudo aprendeu a utilizar a ferramenta de criação de jogos com vídeos na internet, e montou uma playlist com cerca de 120 vídeos. “Eu tracei tudo o que eu queria fazer e depois assisti aos vídeos de passo a passo, vídeos curtos de 4 a 10 minutos que resolviam pequenos problemas que eu notei que eu teria”, rememora.
A inteligência artificial do momento, ChatGPT, apelidada carinhosamente de “Carlão” por Matheus, também foi uma aliada do estudante na reta final de desenvolvimento do jogo. “Eu abria o aplicativo e pedia ajuda em algumas questões."
Segundo o estudante, essa ajuda da IA possibilitou cobrir lacunas que os vídeos de tutoriais deixaram pelo caminho. “Foi o momento que mais se desenvolveu o jogo, porque eu estava bem devagar com o desenvolvimento, e consegui dar um gás nos últimos seis meses”, afirma.
APLICAÇÕES – Matheus Rudo se diz uma pessoa “muito visual”. “Para mim, ver imagens do projeto sempre foi muito importante para entender e assimilar”, conta o estudante. Para facilitar a vida de colegas como ele, Rudo incorporou informações técnicas e embasadas cientificamente em uma experiência imersiva que pode ser utilizada em sala de aula.
“Ao longo do percurso, enquanto a pessoa vai descobrindo o projeto, ela vai obtendo informações também”, explica. Para o estudante, o conteúdo do jogo é relevante e preciso, e vai mais diretamente ao ponto, na comparação com livros acadêmicos. “O jogo tem mais informações diretas, com o mínimo de viés possível, sem questões e teorias filosóficas, sempre citando como fontes estudiosos de arquitetura”, conta Matheus.
“Ele te transporta para a arquitetura que se está estudando”, afirma a professora orientadora de Matheus, Maria Cláudia Candeia. Docente da FAU, ela acredita que o Arquitetura Zeitgeist não substitui a vivência ao vivo, mas traz outras dimensões mais difíceis de estudar, como a iluminação do espaço, a visualização em 360°, questões de espacialidade e de inteligência espacial.
“O jogo acrescenta uma dimensão que é a experiência, e isso é algo que a gente valoriza muito no curso”, afirma a docente. “Nem sempre todos os estudantes vão ter a capacidade ou os recursos financeiros para visitar obras icônicas, então a forma como os alunos conhecem as obras é um tanto quanto limitada.”
Maria Cláudia destaca que o jogo desenvolvido por seu orientando é capaz de abrir os horizontes da Academia Brasileira de Arquitetura sobre as escolas arquitetônicas ao redor do mundo. “A gente estuda muito o circuito europeu e norte-americano e acabamos deixando de estudar o continente asiático, que é o maior continente do mundo”, conta a professora.
“Muitas vezes os estudantes não têm interesse em estudar arquitetura asiática ou de qualquer outro país por falta de acesso, além da ideia de que é tudo longe”, continua. “O objetivo [do jogo] é trazer um pouco mais desses diferentes olhares, diferentes culturas e sair um pouco desse tipo de ensino já direcionado para alguns países”, acrescenta Candeia, que é coordenadora do Núcleo de Estudos Asiáticos (Neasia), integrado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (Ceam).
Matheus Rudo é uma pessoa que está no espectro autista, que, segundo ele, são sujeitos com mais facilidade de compreensão a partir de elementos visuais. “Quando vemos páginas e páginas de texto sem uma imagem sequer nos livros, nós sentimos dificuldades para entender o espaço e a arquitetura.”
Para o estudante, a falta da linguagem imagética abre muitas possibilidades para o subjetivo, o que dificulta o seu aprendizado. “No jogo ocorre justamente o contrário, você tem uma experiência primariamente visual, mas com alguns recortes de texto”, explica. Assim, a absorção do que é passado “fica muito melhor”, afirma Matheus, uma vez que quando os textos estão dispostos no jogo, as imagens acompanham as explicações para ilustrar o que é dito.
*estagiário em Jornalismo na Secom/UnB.