Pesquisa avalia aproximações e conflitos entre as áreas, a partir da análise de três políticas ambientais brasileiras

Ecologia e economia. Palavras distintas, mas que possuem muito mais em comum do que o prefixo quando o assunto é meio ambiente. Por exemplo, ambas são consideradas importantes para garantir a conservação da biodiversidade e para a construção de políticas públicas voltadas ao seu uso sustentável. No entanto, a falta de diálogo efetivo entre as duas áreas trouxe inquietações à bióloga e pesquisadora Carolina Bernardo, que decidiu investigar um pouco mais o tema.

Orientador da pesquisa, Jorge Nogueira, e autora da tese, Carolina Bernardo: fusão entre perspectivas da economia e da ecologia. Foto: Beto Monteiro/Secom UnB

 

A pesquisa resultou em sua tese de doutorado, defendida no Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade de Brasília. “O objetivo principal era tentar avaliar o conflito entre as duas áreas, mas ver também como elas se complementam e as consequências disso para a gestão do meio ambiente”, explica Carolina. O estudo foi orientado pelo professor Jorge Nogueira, do Departamento de Economia.

 

Três políticas ambientais do país foram avaliadas para a compreensão das divergências e aproximações das áreas nesse sentido. Uma delas é a do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Criado em 2000, o SNUC visa a preservação e manutenção da diversidade biológica e de ecossistemas naturais no território nacional, a promoção do desenvolvimento sustentável a partir da valorização econômica e social e a recuperação de recursos ambientais degradados. “Do ponto de vista econômico, a lei foi criada para remediar algumas falhas de mercado existentes na oferta de recursos naturais”, comenta a pesquisadora. Entre elas, estão a geração de impactos por empreendimentos necessários para o desenvolvimento econômico do país e a gestão de bens públicos pelo Estado.

 

Entretanto, segundo Carolina, existem lacunas na gestão do sistema devido a entendimentos equivocados por parte dessas duas áreas. Um dos pontos debatidos por ela na tese é a falta de instrumentos adequados para atender a todos os objetivos propostos pela lei, em âmbito ecológico, econômico e social.  A compensação ambiental, por exemplo, apesar de auxiliar na manutenção das Unidades de Conservação com recursos indenizatórios aos empreendimentos que degradam os recursos naturais, é vista pela pesquisadora como instrumento contraditório. “Cria-se um conflito na gestão ambiental: quanto mais poluente o empreendimento, melhor em termos financeiros, mas pior para o ambiente e sociedade local, pois esse recurso não é usado in loco”, explica.

 

Carolina acredita que é possível otimizar a utilização dos recursos financeiros advindos da compensação ambiental. Para isso, seria necessária a aplicação nas áreas ameaçadas de degradação por meio de empreendimentos e projetos, como corredores ecológicos e zonas de amortecimento – área delimitada ao redor de uma unidade de conservação para reduzir impactos negativos em seu exterior – para a preservação da biodiversidade local. A pesquisadora complementa: “Se as unidades de conservação que permitem algum tipo de uso fossem exploradas em sua potencialidade, se conseguiria ter uma autogestão que não dependesse de fundos da União”. Ela avalia ainda que os incentivos para cumprimento das normas legais do SNUC no que tange a conservação do meio ambiente são insuficientes, o que compromete a efetividade da lei.

 

FALHAS – A pesquisadora também analisou 16 programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) existentes no Brasil. “O PSA é uma forma de compensação para os proprietários de terra que optam por conservar ou reflorestar uma área para prover serviços a todos”, explica. Segundo ela, este conceito utilizado de serviços ambientais é fruto também de contradições. Enquanto ecólogos baseiam-se em uma visão biocêntrica, ignorando por vezes aspectos econômicos e sociais, os economistas apresentam perspectivas mais utilitaristas para o serviço.

 

Dos programas estudados, a maioria se vale de conceito utilitarista e apenas dois atendem a todos aos critérios que determinam sua eficácia. Esses envolvem a transação voluntária entre os interessados em comprar e vender o serviço ambiental – de modo que tanto o serviço como o pagamento sejam fornecidos a longo prazo –, a garantia da oferta do serviço para a ação de conservação e também a mudança efetiva no uso da terra após o recebimento do pagamento, em cumprimento ao acordo.

 

Ainda, incluem a análise se a exploração do solo realizada pelos beneficiários do serviço não se estende a outras áreas que não as contempladas pelo programa e se os proprietários de terra se utilizam perversamente desse instrumento, degradando o meio ambiente para obter os recursos para sua restauração. Entre os problemas identificados para o cumprimento desses critérios, Carolina aponta os baixos valores pagos aos proprietários de terra, o que impede a manutenção do serviço diante da maior possibilidade de lucro com a exploração do solo.

 

Além disso, há o fato de a maioria dos pagamentos serem realizados pelo Estado, e não por instituições privadas, que também podem ser compradoras do serviço. “Isso teoricamente é um problema, porque o Estado não tem dinheiro para pagar o quanto vale a conservação”, comenta.

 

Arte: Marcelo Jatobá/Secom UnB

 

NOVO CÓDIGO – Outra ferramenta utilizada na proteção da vegetação e da biodiversidade dos ecossistemas brasileiros, além do controle na exploração florestal, é o Código Florestal – também denominado Lei de Proteção da Vegetação Nativa. O texto, cuja última atualização é de 2012, apresenta avanços em relação ao anterior, datado de 1965, no que diz respeito aos instrumentos utilizados para reduzir os desmatamentos em propriedades privadas e para incentivar o cumprimento da lei.

 

Isso porque ela se tornou menos rigorosa em termos ecológicos e mais favorável economicamente quanto ao reflorestamento da mata nativa e à autorização da exploração, de maneira sustentável, de áreas de preservação permanente e reserva legal, o que antes não era permitido. “Antes, mais de 90% do código não era cumprido e esses novos instrumentos trouxeram essa possibilidade”, afirma Carolina.

 

A flexibilização, no entanto, trouxe também implicações negativas, segundo ela. Uma delas é a anistia de penalidades aos fazendeiros que deixaram de restaurar a vegetação nativa nessas áreas protegidas até a data de publicação da nova lei. Ainda, o código possibilita o reflorestamento de 50% das áreas de reserva com espécies exóticas, o que a pesquisadora avalia como problemático. “Essas espécies não têm predadores naturais para controlar seu crescimento populacional e elas podem tomar o espaço das nativas, o que pode ocasionar a extinção em longo prazo”, alerta.

 

Para Carolina Bernardo, a efetividade dessas políticas e de instrumentos econômicos na gestão dos recursos ambientais depende de integração e equilíbrio dos conhecimentos. “Se queremos mudar alguma coisa, temos que aprender a dialogar com áreas diferentes”, conclui.

 

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