Pesquisador da UnB estuda atuação política dos índios de tribos amazônicas. Eleições locais são prioridade para eles.

Em 2006, as comunidades indígenas brasileiras vão ficar fora da disputa pelos cargos políticos nacionais. As lideranças estão mais preocupadas em conseguir espaço na política local, como candidatos a vereadores e prefeitos, a buscar uma vaga no Congresso Nacional ou na Presidência da República. No cenário nacional, a meta é fortalecer as organizações indígenas e trabalhar em parceria com organizações não-governamentais, religiosas e até mesmo dialogar com instituições públicas.


Essas tendências estão descritas no estudo em andamento do professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), Gabriel Alvarez, que pesquisa a relação dos índios amazônicos com a política desde 2003. "Os indígenas se destacam pela defesa dos interesses coletivos da região, diferenciando-se dos candidatos não índios, com seus mecanismos individualistas e tradicionais clientelismos políticos", ressalta Alvarez.


De acordo com o professor da UnB, a nova geração de lideranças indígenas não tradicionais tem uma trajetória que se inicia nos movimentos sociais. Eles se transformaram em interlocutores dos grupos frente ao mundo dos "brancos". Enxergam a política como uma forma de superar as limitações do movimento social. Por outro lado, reconhecem as limitações demográficas da população indígena e trabalham para incluir na aliança eleitoral local a população ribeirinha e os caboclos (muitos dos quais não assumem sua identidade indígena).


A pesquisa do professor da UnB mostra que na década de 90, diversos partidos políticos da região Norte passaram a negociar com as comunidades indígenas a inclusão de uma das lideranças na legenda. "Ainda assim, diferentemente de outros países latino-americanos, no Brasil, a entrada do índio nos partidos continuou se dando pela instrumentalização do sistema de partidos políticos", observa Alvarez. "Não se criou nenhum partido étnico, mas se negociava a inclusão dos candidatos indígenas nos partidos políticos majoritários."


Na avaliação do pesquisador, pelas características populacionais, alguns municípios tendem a cada vez mais possuir representantes de origem indígena na política local. Entre eles, Oiapoque (AP), Barreirinha, Atalaia do Norte, Tabatinga, Benjamin Constant, São Gabriel da Cachoeira (todos no Amazonas) e São João das Missões (MG).


"São cidades onde as lideranças indígenas costumam ser convidadas para compor chapas como candidatos à vice-prefeito", conta o antropólogo. Segundo ele, apenas dois municípios do Amazonas podem hoje eleger como prefeito um candidato índio. Entre eles, São Gabriel da Cachoeira, onde a população local indígena é maioria, e Barreirinha, onde a experiência política dos Sateré-Mawé foi projetada no cenário da política local e estadual.


ESTUDO DE CASO – 
Durante a pesquisa sobre índios e política no Brasil, o professor da UnB foi a campo e registrou em vídeo a disputa eleitoral no município de Barreirinha (AM). Neste local, em 2004, a comunidade Sateré-Mawé tentou eleger um índio prefeito. Com o apoio das lideranças tradicionais do Conselho de Tuxauas, o então vice-prefeito Mecias Sateré se candidatou pelo PT à prefeitura.


Durante a campanha, os adversários chegaram a dizer que, caso ele fosse eleito, a cidade ficaria com "cheiro de índio". Os votos da população indígena, no entanto, garantiram a Sateré o segundo lugar no pleito. Por algum tempo, ele chegou a ser declarado prefeito por conta da impugnação do primeiro colocado e então prefeito, Gilvan Seixas (PPS), acusado de abuso de poder político durante a campanha.


A situação foi revertida no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que acataram recurso de Seixas e o empossaram. Na sessão de 15 de dezembro de 2005 no TSE, o relator do processo chegou a se manifestar contrariamente ao cancelamento da impugnação. Mas os outros ministros endossaram no voto a decisão do TRE de reeleger o prefeito, apesar de existirem provas fotográficas de que um empregado do município trabalhou no carro de som da campanha de Seixas.


"A invisibilização do candidato indígena se deu no contexto em que a invocação do caráter étnico poderia ser um contraponto ao coronelismo da política local", avalia o professor da UnB. "Os juízes desestimaram a denúncia contra o candidato branco com argumentos contraditórios do tipo: o funcionário agiu só uma vez ou o prefeito falou para que os funcionários não participassem da campanha."


MEDIADORES -
O antropólogo explica que lideranças como Mecias Sateré têm o perfil de broker, ou seja, mediador que por sua trajetória de vida o levou a participar do mundo dos brancos, sem abandonar as raízes indígenas. Ao se candidatar a prefeito, ele propôs a união de índios e caboclos para enfrentar políticos tradicionais. "Mecias apresentou uma proposta de política participativa, que articulava as populações indígenas e caboclas. As experiências do movimento social indígena foram colocadas como exemplos a serem seguidos", conta Alvarez.


A opinião do professor, a aliança entre índios e caboclos ecoa a cabanagem, revolta popular que aconteceu na Amazônia entre 1835 e 1840 e que permanece presente na tradição cultural do grupo e na memória das populações locais. Segundo Alvarez, a proposta de incluir as populações caboclas nas políticas diferenciadas implementadas para os índios revela a exclusão vivida pelos caboclos, que hoje enxergam as conquistas do movimento indígena.


"As identidades são uma construção ideológica, mas refletem uma posição na estrutura social", aponta o pesquisador. "O muro que separa os brancos dos índios e caboclos, foi construído historicamente e pintado com as cores do preconceito e da discriminação."